Homilia para o Domingo de Pentecostes – Ano B,
proferida a 23 de maio de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

At 10,25-26.34-35.44-48; Sl 97; 1Jo 4,7-10; Jo 15,9-17

Introdução

Caros irmãos e irmãs, celebramos hoje o dom do Espírito Santo enviado por Jesus aos seus discípulos. Mas não foram apenas eles que receberam o Espírito de Deus. Cada batizado e, portanto, cada um de nós, é chamado a viver no Espírito Santo. Na verdade, podemos até dizer que a vida cristã, bem como a vida monástica, é uma vida no Espírito. Portanto, peçamos especialmente hoje, pelo dom de uma vida no Espírito Santo. Deus não é avarento nem mesquinho. Ele é o primeiro a querer nos dar e nos fazer participar de sua alegria de viver.

Homilia

Caríssimos irmãos e irmãs, há uma semana celebramos a Ascensão, a subida de Jesus aos céus. E lembremo-nos que, antes de partir dessa forma, antes de ser encoberto da vista dos discípulos por uma nuvem, Cristo prometeu a força do Espírito Santo, para sustentar os seus no testemunho que teriam de dar.

Mas, para falar a verdade, as instruções que Jesus deixou aos seus amigos não foram muito claras: ordenou-lhes (fato raro) que não saíssem de Jerusalém e esperassem o dom que o Pai havia prometido. Mas, quanto tempo essa espera deveria durar? Que “dom” foi esse? Silêncio. Isso, Jesus não disse. Apenas um grande silêncio da parte de Jesus. Entretanto, é impossível que essas palavras não ditas não tenham um significado concreto para nós.

Parece-me que os discípulos são convidados, no próprio silêncio de Jesus, a fazer uma experiência que não passa primeiro pela inteligência, pela compreensão de algo. Jesus os convida a simplesmente viver um tempo de espera e confiança. Eles não sabem exatamente o que esperam, mas são encorajados a não fazer deste tempo um tempo vazio, um tempo vão. Uma semana, porém, pode ser muito tempo. Há tempo para ficar entediado, para se questionar, para ficar impaciente e talvez até para discutir. É um tempo de intervalo em que Jesus não está mais presente como eles estavam acostumados após a Ressurreição, e que devem apenas esperar. Aliás, por falar nisso, esperar o quê? Espera quem?

Este tempo muito valioso, que não pode ser encurtado nem acelerado, é o tempo necessário para despertar o desejo nos discípulos; pois Deus não precisa de prazos para realizar sua obra. Se ele institui esse tempo, isso, de alguma forma, será bom para eles, uma vez que essa espera vem de Deus e deve ser feita para Deus. Entre o tempo do Filho e o tempo do Espírito, há um espaço para que o ser humano desperte para a vida pascal. Ele tem tempo para temer, para duvidar, para ter esperança, para aguardar, para reler a própria história, para se maravilhar, ou, em uma palavra, para se converter.

De certa forma, não é isso este distanciamento/confinamento nos permitiu viver? Claro que isso foi mais ou menos bem vivenciado dependendo das situações econômicas, sociais, de solicitude ou, ao contrário, de promiscuidade em que cada um se encontra. Mas, de qualquer forma, espero que para nenhum de nós esteja sendo um tempo estático: todos sabemos, com esperança ou medo, que isso chegará a um fim. Assim como os discípulos, não temos uma data de término. Então, o que fazemos com essa espera? Um simples parêntese? Férias antecipadas e prolongadas? Talvez pura e simplesmente nada, porque nada mudou realmente: apenas passei a utilizar máscara, mas está tudo a mesma coisa? Ora, este tempo poderia ter sido, ou realmente ainda pode ser para muitos um tempo favorável para uma maior interioridade.

Foi o que os discípulos experimentaram no Cenáculo: eles, que viram Jesus partir, começaram a aprender a encontrá-lo dentro de si próprios. E é em Pentecostes que a morada de Deus neles será perfeitamente realizada, graças ao Espírito Santo que os engrandece de uma forma como eles jamais poderiam ter reivindicado por conta própria. Longe de apenas sentar-se novamente à direita do Pai, Jesus continua sua obra de união com os seres humanos. Ele envia seu Espírito para dilatar os corações daqueles que desejam acolhê-lo. Uma vez que, por natureza, somos demasiado estreitos para conter Deus, então o próprio Deus vem em nós para alargar as fronteiras de nossa humanidade e fazer de nós uma divina morada.

O que ocorre, então, é uma recíproca intimidade: Deus em um homem pela Encarnação, um homem em Deus, pela Ascensão, e depois, novamente, Deus em cada homem e cada mulher por meio da vinda do Espírito Santo. Nada pode impedir a ascensão do homem que deseja, pela graça, chegar à destra de Deus. Mas nada, igualmente, pode deter o movimento de descida de Deus até que ele se encontre no mais íntimo do coração humano, desde que seja um coração preparado pelo Espírito Santo.

Ao vir ao mundo, Jesus mostrou a kenosis ou o “abaixamento” de Deus para viver com os homens; e subindo às alturas do céu, ele manifestou a vocação divina do ser humano. Ao enviar o Espírito Santo, ele nos torna a morada onde deseja viver para sempre.

Caros irmãos e irmãs no centro de nossas solidões e das nossas liberdades, entre o tempo do Filho e o tempo do Espírito, experimentemos o desejo de comunhão: sem nos deixar, sem abandonar a nossa humanidade, Jesus reencontra o Pai e cumpre nossa vocação mais profundamente, a de sermos mergulhados no coração da Trindade. Mas ao enviar o Espírito Santo, ele imerge a própria Trindade dentro de nós. Que esta Eucaristia nos faça viver a partir deste mistério de comunhão, na alegria de sermos enfim, pela Graça do Espírito, Igreja: Corpo e Sacramento[1] de Cristo.


Renovai, Senhor, por vosso Espírito, a face da terra! Amém! Aleluia!


[1]Porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”. Cf. Lumen Gentium, 1.


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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