4º Domingo da Quaresma “Lætare” (Ano C)
Js 5,9a.10-12; Sl 33; 2Cor 5,17-21; Lc 15,1-3.11-32
Dom Martinho do Carmo, OSB
27 de fevereiro de 2022


Caros irmãos e irmãs, o episódio é clássico! Existem aqui muitos pontos que servem para nos levar ao Senhor. Mas gostaria de me deter unicamente em dois pontos fundamentais: (1) o movimento de conversão exprimido pelo filho pródigo:

“Vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti”;

(Lc 15, 18)

e (2) as palavras do pai:

“este teu irmão estava morto e tornou a viver”.

(Lc 15, 32b)

Eis que já estamos em plena alegria pascal; e ela é celebrada por um banquete:

“era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver”.

(Lc 15, 32)

Neste episódio, o irmão mais velho tem a nítida impressão de que seu pai é injusto; ele não compreende porque seu pai acolhe com tanta alegria seu irmão mais novo. Ele é quem foi o fiel, o observante, quem nunca esqueceu o menor dever de suas tarefas, aquele que sempre esteve perto de seu pai e que o ajudou escrupulosamente em seu trabalho. Mas o evangelho situa de maneira muito forte a misericórdia do Senhor: se Deus considera com amor aquele que é fiel, ele não pode permanecer insensível àquele que se arrepende e que quer voltar; seu coração se dilata; e aqui está toda a revelação do amor infinito de Deus por aqueles que decidem dar um passo em direção à Ele. Esse “passo em direção à Ele”, o Senhor não apenas espera, mas ele o provoca, mesmo que tenha que ser na provação. Temos aqui todo o mistério da ternura de Deus para com o pecador.

A primeira leitura nos indica como o evangelho deve ser entendido. Trata-se do banquete e da mesa dos pecadores. Na passagem de Josué 5,9-12, não é o ritual da celebração da Páscoa que nos interessa, mas sim o fato da entrada na terra prometida e o fato de “comer dos produtos da terra” (e podemos fazer uma ligação com o banquete preparado para o filho pródigo que vai comer o alimento da casa paterna). A primeira leitura nos fala do fim de um período muito duro que foi a caminhada no deserto: é um novo estilo de vida que começa. O maná deixa de cair do céu; ele era um sustento, mas também uma provação, pois muitos morreram porque comeram sem aceitar que era algo vindo das mãos de Deus e por causa da murmuração (Nm 21,6). De fato, o verdadeiro alimento será aquele que Jesus dará.

Já o tema da segunda leitura (2Cor 5,17-21) insiste em dizer que é em Cristo que somos reconciliados. Reconciliar todos os homens em Cristo é o sentido do ministério apostólico.

“Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova; o mundo velho desapareceu”;

(2Cor 5, 17)

um mundo novo surgiu. Deus nos reconciliou consigo por meio do Cristo. O apelo de São Paulo permanece válido ainda hoje:

“Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus”.

(2Cor 5,20)

Nossa resposta poderia ser desesperada: “Nós queremos muito, mas nos sentimos incapazes de nos deixar reconciliar; tantas tendências existem em nós, tantas aspirações para as coisas e as alegrias terrenas, que é impossível para nós escapar da cobiça às coisas deste mundo”. E então São Paulo nos responde:

“Aquele que não cometeu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”.

(2Cor 5, 21)

Ou seja, a reconciliação é fruto da iniciativa de Deus.

Podemos dizer, portanto, que Jesus se fez Filho Pródigo por nós! Ele deixou a casa de seu Pai. Desceu do céu para vir até nós. Ele “gastou”, esbanjou todos os bens de Seu Pai numa “louca generosidade” para conosco. Ele se fez amigo dos publicanos e pecadores. Ele teve fome no deserto e teve sede na Cruz. Depois ele retornou, subiu para seu Pai e nosso Pai, seu Deus e nosso Deus (Jo 20,17), e foi acolhido no banquete do Reino dos céus.

Portanto, irmãos e irmãs, é em Cristo, que assumiu nossa carne, que somos capazes de nos deixar reconciliar. É Ele quem nos reconcilia por meio do Seu sacrifício; e assim, somos capazes de participar da santidade do próprio Deus.

Este é o dom que nos é oferecido, e essa deve ser nossa atitude: retornar ao Pai, tomar parte no banquete dos pecadores, reconciliados em Cristo Jesus. O salmo 33, que cantamos em resposta à primeira leitura, é um cântico verdadeiramente eucarístico; é uma ação de graças feita por todos aqueles que fazem a experiência de Deus e sabem que são ouvidos, desde que se digiram a Ele com amor.

“Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo…
Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido…”.

(Sl 33, 2a.7a).

O salmo que responde à narrativa da Páscoa de Josué, é também o cântico daqueles que, reconciliados pelo Cristo, retornam para a casa do Pai e são acolhidos no Banquete do reencontro, na celebração eucarística, que é sinal do Banquete definitivo dos últimos dias. Contemplai a sua face e alegrai-vos, canta o salmo. Irmãos e irmãs, para nós também a mesa está posta. Se estamos realmente dispostos a retornar de nossas pródigas realidades, nós também podemos nos dirigir a este Banquete. De braços abertos, o Pai nos espera. Estávamos perdidos, mas somos reencontrados. E por isso podemos comungar. Pois o Senhor quer que tenhamos em nós sua alegria plenamente realizada (cf. Jo 17,13).

Amém!

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