Sábado Santo | Vigília Pascal – C
Rm 6,3-11; Lc 24,1-12
16 de abril de 2022

Estamos no centro de uma celebração que acontece no meio da noite – portanto, uma verdadeira “vigília” – durante a passagem das trevas para a luz. Esta passagem é uma expressão simbólica da longa passagem das trevas e do caos original do início do Gênesis para a luz de Cristo ressuscitado na manhã de Páscoa.

A longa série de leituras do Antigo Testamento que ouvimos nos contou como o povo judeu constantemente interpretava e reinterpretava o que estava vivendo. Ele o fazia à luz da revelação que recebeu quando Deus entrou em sua existência. Tudo era visto nesta simbologia de passagem das trevas para a luz.

Esta história começa com a separação da luz e da escuridão, no caos cósmico que havia no princípio. Depois, há a passagem do caos religioso das inúmeras religiões antigas para a luz da revelação do Deus único ao povo de Israel. Em seguida vem a passagem do cativeiro do Egito para a libertação do Êxodo. Outra passagem muito mais importante vem a seguir: a passagem do coração de pedra para o coração de carne animado pelo Espírito. E finalmente a grande passagem de Jesus, das trevas da morte à luz da Ressurreição.

A memória do passado, como um todo, foi importante para o povo de Israel. Esta memória deu sentido ao seu presente e permitiu-lhe avançar para o futuro com esperança. Cada uma de nossas vidas é também composta por esses momentos de escuridão e momentos de luz, de Sextas-feiras Santas e de Dias de Páscoa. É sempre perigoso fechar-se no momento presente, seja de escuridão ou luz. Em um caso corremos o risco do desânimo, no outro um entusiasmo presunçoso que pode gerar desastres. Precisamos viver cada momento presente – que nunca é definitivo – como uma pequena parte de nossa história pessoal de salvação, que tem um passado e um futuro.

Assim deve ser também com a Igreja e a Sociedade. Parece que ambos estão atualmente vivendo seu Sábado Santo em vez de seu Dia de Páscoa. Na realidade, estamos na noite entre os dois. Portanto, é em nome de nossa Igreja e de toda a nossa Sociedade que vigiamos nesta noite, situando o que vivemos dentro delas no quadro mais amplo e até mais grandioso de toda essa bela história da salvação da qual as leituras bíblicas desta Eucaristia nos traçaram as grandes linhas de interpretação cristã.

Em nossos dias, nossa sociedade entrou em um ciclo infernal de violência do qual não parece ser mais capaz de escapar. Vocês podem me dizer que “claro, sempre houve violência na humanidade”. Sim, respondo, mas os meios modernos tornam essa violência cada vez mais destrutiva e devastadora. A guerra que a Ucrânia atualmente vive e da qual nossos jornais nos revelam todos os dias a barbárie assassina é apenas uma das muitas tristes demonstrações disso.

Somos os peregrinos do 8º dia, aproximando-nos de um túmulo vazio com os perfumes preciosos da nossa boa vontade, da nossa ingenuidade e dos nossos compromissos. O túmulo está vazio. O deus dos nossos sonhos e de nossas ideologias não está lá e ele não voltará. O verdadeiro Deus nos diz através de um mensageiro (que no Evangelho de hoje, não tem nome, ao contrário daquele que falou com Maria e José antes do nascimento de Jesus) que nos encontrará em nossa Galiléia, ou seja, em nosso quotidiano, nas nossas noites de pesca em que nada pescamos ou nas nossas estradas quando pensamos em regressar a um Emaús, uma casa que já não temos e nunca mais teremos.

Num mundo onde todos, tanto na sociedade como na Igreja, somos constantemente tentados a nos fecharmos no momento presente que perde todo o sentido no seu isolamento – porque, diante de uma provação, vista de forma isolada, se me pergunto “porque estou vivendo isso”, nunca vou encontrar resposta –, esta celebração da Vigília Pascal nos coloca novamente dentro de uma bela e longa história de salvação – que tem cruz, que tem trevas, que nada são além de “passagens” para a vida, para a luz! Esta história, portanto, nos abre para a espera, de paciência (palavra que, aliás, tem a mesma raiz do passio: patientĭa = capacidade de suportar). Mas talvez seja melhor não falar muito precipitadamente de esperança. Se pudermos permanecer com fé, abertos à espera de um novo amanhecer, de uma nova luz, isso será o suficiente. Pois, creiamos, assim como Deus agiu no meio da noite e de forma invisível para abrir os céus para nós, da mesma forma o próprio Deus transformará nossa espera em esperança, e nos fará, certamente, após essa passagem, penetrar plenamente nem sua Luz.

Cristo Ressuscitou verdadeiramente, Aleluia!

Dom Martinho do Carmo, osb

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