Homilia para o XXVI Domingo do Tempo Comum – A,
proferida a 27 de setembro de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

Ez 18,25-28; Sl 24; Fl 2,1-11; Mt 21,28-32

Introdução

Caros irmãos e irmãs, hoje – finalmente! – o Senhor Jesus nos faz no evangelho uma pergunta fácil de ser respondida: “Qual dos dois [filhos] fez a vontade do pai?” (Mt 21,31). Aquele que primeiro disse não, mas em seguida obedeceu, ou aquele que disse sim, mas depois não obedeceu? Claro que foi o primeiro! O importante é fazer e não apenas dizer. A resposta é óbvia! E creio que ninguém aqui pense de forma diferente. Muito fácil! Mas, se a resposta é tão óbvia assim, porque então, Jesus faz hoje para nós esta pergunta? Que a liturgia de hoje nos ajude a compreender com o coração os ensinamentos do Senhor.

Homilia

Caros irmãos e irmãs, qual dos dois filhos fez a vontade do pai? (Mt 21, 31). Porque Jesus nos coloca hoje uma pergunta de resposta tão óbvia? Talvez porque o interesse de sua pergunta não esteja na resposta – que é muito fácil –, mas no como e no porquê dessa pergunta.

Vejamos primeiro o como, a maneira e o contexto da pergunta. À primeira vista, é evidente que há um paralelismo inverso na atitude de cada um dos filhos: um diz não e depois age, o outro diz sim e depois não age. E aí tiramos uma conclusão do ensinamento de Jesus: “o importante não é dizer, mas fazer”. Uma lição moral gentil, mas muito redutiva e banal. O que, de fato, fica deste primeiro olhar, é que realmente existem duas atitudes radicalmente opostas.

No caso do primeiro filho, entre uma recusa inicial, quase grosseira – “Não quero” – e a obediência que vem a seguir – “ele foi” –, Jesus intercala um verbo decisivo: “mudou de opinião” (v. 29). O filho inicialmente desobediente, percebeu seu erro e se converteu.

Só que não existe nenhum verbo para o segundo filho. Entre o seu “Sim, senhor” inicial e o fato de não ter ido, Jesus não revela nenhuma mudança interior, como se suas disposições interiores nunca tivessem mudado, como se o seu “sim” inicial já estivesse ligado à sua desobediência final.

E Jesus nos dá uma pista que nos confirma tal interpretação, quando diz que “os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus” (v. 31). Ora, publicanos e prostitutas são pessoas cujo estado de vida prova que começaram por dizer não a Deus, por desobedecer à sua Lei. Mas quando veio João Batista, que pregava a justiça de Deus, eles se arrependeram, e acolheram o Reino de Deus indo trabalhar na vinha do Senhor. Os sumos sacerdotes e os anciãos de Jerusalém, ao contrário, são pessoas que se orgulham de sempre terem dito sim a Deus, e que proclamam em alta voz seu zelo em guardar todos os seus mandamentos. Mas quando veio João Batista, eles não acreditaram e não se converteram. Mesmo vendo os cobradores de impostos e prostitutas se converterem ao chamado do Batista, eles não se arrependem: “Vós não vos arrependestes” (v. 32). Vós não mudastes de opinião. Vós permanecestes no mesmo erro.

Assim compreendemos melhor a situação do segundo filho: por meio de um orgulhoso “sim” ao Senhor, movido por vaidade e presunção espiritual, este filho, como se diz, “já começou errado”. Começou errado, porque ele pensa ser capaz de cumprir a vontade de Deus sem entender que deve, primeiro, e incessantemente se arrepender, deve reconhecer-se pecador e confessar o pecado que o mantém prisioneiro e o impede de ir a Deus. A priori, ele dispensa o reconhecimento de sua miséria interior. Ele se vangloria de sua religiosidade “perfeita”, e se crê capaz de trabalhar na vinha do Senhor, em vez de todos os dias começar por arrepender-se e pedir perdão. É por isso que ele se fecha em um sim orgulhoso que o torna incapaz de arrependimento e, portanto, incapaz de cumprir, em verdade e em profundidade, a vontade de Deus. Falta-lhe primeiro acolher a misericórdia de Deus, porque somente um coração curado pode, em seguida, obedecer à verdadeira lei que é o mandamento do amor.

Chegamos assim ao porquê da pergunta de Jesus: Qual dos dois filhos fez a vontade do pai? Ao fazer-nos esta pergunta, Jesus quer que descubramos uma lei fundamental da vida moral cristã: a capacidade de trabalhar na vinha do Senhor, que outra coisa não é que fazer a vontade de Pai. Agir de acordo com a verdade e o bem é rigorosamente proporcional ao reconhecimento preliminar de nossa miséria, de nosso pecado, de nossa incapacidade de fazer o bem por nós mesmos. Claro que não se trata aqui de dizer que quanto mais se peca, mais se poderá fazer o bem, pois isso não é verdade. Trata-se, todavia, de reconhecer que quanto mais aprendemos a nos arrepender, tanto mais aprendemos a ouvir a misericórdia de Deus falar em nossos corações, e mais nos tornamos realmente capazes de amar como Deus ama e como ele quer que amemos. Enquanto que aquele que se fecha em sua autossuficiência, em sua convicção de já ser bom, sem precisar se arrepender, este condena a si mesmo a cair num mundo sem necessidade de Deus.

Assim, hoje, duas posturas espirituais estão diante de nós, e cabe a cada um escolher:

De um lado, existe uma postura espiritual estática, que se fecha na falsa certeza de já conhecer a verdade de Deus e na ilusão de poder fazer o bem por si mesmo. Uma postura que não deixa espaço para um exame de consciência sobre suas fraquezas e seus pecados. Uma postura que ignora a possibilidade de arrependimento. É o filho que começa dizendo sim, mas que, ao invés de alguma conversão, o que existe, na verdade, é a divisão da pessoa em dois estágios contraditórios sob uma aparência exterior que se vangloria de uma falsa religiosidade, uma falsa obediência à vontade de Deus; mas que, na verdade, é uma grande miséria interior, incapaz de fazer o bem, e que afunda em sua própria hipocrisia.

Do outro lado, uma postura espiritual dinâmica que, por ter passado pelo sofrimento interior causado pelo pecado, consegue, por meio do arrependimento, abrir-se à misericórdia de Deus. É dessa humildade fundamental, dessa consciência lúcida da própria miséria, que nascem o arrependimento e a abertura ao perdão de Deus, e que faz crescer em nós a capacidade de “trabalhar na vinha do Senhor”, fazendo efetivamente o bem e a verdade, tal como nos ordena o Evangelho.

Não existe autêntica vida cristã fora deste caminho, fora desta postura de humildade e de arrependimento, porque quis o Senhor que o amor a Deus e ao próximo começasse pela acolhida de sua misericórdia que jorra da Cruz de seu Filho e que nos faz renascer para uma vida nova. Portanto, irmãos e irmãs, acautelemo-nos de toda certeza presunçosa e arrogante em nossa maneira de viver o evangelho. Toda certeza torna-se estéril quando é separada do arrependimento e da fonte viva de perdão que dele flui. Ao contrário, cultivemos a humilde certeza, que se apoia na infinita misericórdia do Senhor, pois somente ela pode nos tornar verdadeiramente fortes na confissão da verdade e na prática do bem, como fiéis trabalhadores da vinha do Senhor, humildemente confiantes de que Deus incansavelmente “reconduz ao bom caminho os pecadores e dirige os humildes na justiça” (Sl 24,8-9).

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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