Homilia para a 18º Domingo do Tempo Comum – Ano B,
proferida a 1º de agosto de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

Êx 16,2-4.12-15; Sl 77; Ef 4,17.20-24; Jo 6,24-35

O desejo dos homens

Segundo São Bernardo de Claraval, o ser humano é um ser de desejo[1]. Mas quando esse desejo é por coisas, isso faz com que nunca fiquemos satisfeitos com o que já possuímos. O desejo torna-se insaciável, pois ficar satisfeito com o que se possui seria matar o desejo e, deixar de esperar por mais seria, de certa forma, deixar de viver ou de ter gosto pela vida…

É deste desejo que se baseia nossa “sociedade de consumo”. Ela nos leva a sempre consumir outra coisa além do que já temos, cada vez mais. Utensílios ou objetos que no passado eram feitos para durar uma vida inteira agora são projetados para serem substituídos o mais rápido possível. Trabalhamos por “alimentos perecíveis”. E eles devem ser realmente perecíveis, e devemos continuar consumindo-os para reavivar a produção, aquecer o mercado, e dar emprego a quem produz. Eis a nossa sociedade de consumo, e ninguém escapa disso.

Podemos nos perguntar para onde vai esta sociedade que, aliás, cria desigualdades cada vez maiores entre quem tem real poder aquisitivo e quem é cada vez mais pobre: dizem que, hoje, mais de 50% da riqueza mundial está nas mãos de 1% da população mundial!

O desejo de Deus

É claro que na época de Jesus não se falava de uma sociedade de consumo. Mas o desejo humano já era insaciável e já estava se concentrando sobre os bens de consumo. Disse Jesus: “estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo 6,26).

A fome daquela multidão acabava de ser saciada por Jesus, que multiplicou os pães para eles. Mas eles buscam receber ainda mais, buscam abundância. E logo pedirão um sinal para que possam ver e acreditar. Evocam Moisés, que deu o maná no deserto. Mas surpreendentemente não conseguem se lembrar que eles próprios receberam o sinal da multiplicação dos pães há pouco tempo atrás! Seu desejo de consumir sempre mais lhes faz até esquecer o que acabaram de consumir.

Sim, o desejo, quando se fixa em objetos, nos faz esquecer Aquele que desejou relacionar-se conosco por meio do dom que nos deu. O Senhor Jesus exorta: “Trabalhai não pelo alimento perecível, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará” (v. 27). Jesus deu a esses homens um sinal da relação que queria criar, em nome de Deus, com eles. Ele tenta direcionar o desejo deles não para as coisas que possuem, mas para um relacionamento. O desejo dos homens se perde quando não é orientado para Deus, Aquele que nos deseja para que nós o desejemos. Um desejo que se fixa em objetos é insaciável e até mortífero. O desejo que temos por Deus é fonte de vida, como Jesus nos ensina hoje: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (v. 35).

Mas “que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” Perguntam os homens ao redor de Jesus. E ele lhes respondeu: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou” (vv. 28-29). Podemos nos fartar não só de comida, mas também de conhecimento, até mesmo de conhecimento religioso. Podemos nos “empanturrar”, por exemplo, de leis morais e de dogmas. E aí nosso desejo poderá ser tão pervertido quanto quando buscamos acumular sempre mais riquezas materiais. Mas a fé conjuga o desejo de Deus com o desejo dos homens. Não se trata, portanto, de adesão a um conteúdo. A fé liberta o desejo por objetos que atola o ser humano para abri-lo à imensidão de um desejo que ultrapassa qualquer objeto de consumo ou de conhecimento. A fé abre em nós um espaço infinito onde sempre sentiremos falta de Deus, mas sabendo que ele nunca nos faltará. Em outras palavras, Deus sempre se dará a desejar, mas com um desejo que nos liberta de todas as iscas que pretendem nos satisfazer. São Bernardo. novamente, escreve: “Vós sois bom, Senhor, para a alma que vos procura. Mas o que sois para aquela vos encontra? E, no entanto, curiosamente, ninguém pode procurar-vos se já não vos encontrou. Vós vos deixais encontrar para serdes procurado e quereis ser procurado para serdes encontrado[2]”.

O desejo dos outros

Lembremo-nos que o desejo de Jesus Cristo, seu último mandamento, é que nos amemos uns aos outros assim como ele nos amou. Para unir este desejo de Cristo ao evangelho que ouvimos, gostaria de contar-vos uma história, não muito original, mas muito verdadeira, e que provavelmente conheçamos outros relatos parecidos:

Certa vez, um sacerdote muito amigo meu contava-me sobre ter conhecido uma dessas famílias que, embora não esteja no 1% dos mais ricos do mundo, mas que não está muito longe disso. Tinham quatro filhos, uma luxuosa casa com piscina, e até um barco luxuoso; frequentavam lugares importantes na sociedade. Ele trabalha e ela não, mas isso não significava que ela fosse uma “escrava” dos afazeres domésticos, pois haviam empregados suficientes para cuidar disso sem sua ajuda. Poder-se-ia pensar que estivessem no auge da felicidade, mas o casal estava prestes a se separar. Nada realmente funcionava entre eles. O marido decidiu então levar a esposa para um cruzeiro. Ele oferece a ela tudo o que é possível dar para satisfazer uma mulher. Mas quanto mais ele lhe dava, mais a esposa se retraia. Ele não entendia o motivo daquilo. A esposa acabou pedindo o divórcio, mas, antes do término daquele cruzeiro, encontrou forças para dizer ao marido: “Eu nunca te pedi nada de tudo o que você me deu. Eu só queria que pelo menos uma palavra verdadeira fosse trocada entre nós neste cruzeiro”.

O desejo de Jesus Cristo, seu último mandamento é, portanto, que troquemos palavras verdadeiras – palavras de vida! – com aqueles nos rodeiam. Cristo une nosso desejo de viver e de dar vida; e assim nos salva das seduções de uma sociedade de consumo!

Que nesta Eucaristia Ele possa nos revelar qual o nosso verdadeiro desejo, e o que pode realmente nos saciar, assim como fez com Santo Ambrósio de Milão que disse:

Com magnificência participo dos bens celestiais. Sou recebido com honras à mesa celeste, que dispensa a água das chuvas, os produtos da terra e os frutos das árvores. Para abrandar minha sede não preciso procurar rios ou fontes: Cristo é o meu alimento, Cristo é a minha bebida; a carne de um Deus me sustenta e o sangue de um Deus me desaltera. Para saciar-me, não espero as colheitas anuais; cada dia – [em sua Palavra, em seus Sacramentos e naqueles que me rodeiam] – Cristo se dá a mim como alimento[3].


[1] Saint Bernard, Sermons sur le Cantique des Cantiques, disponível em < http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/it/
ko.htm#g
>, acesso a 31 de julho de 2021.

[2] Saint Bernard, Prières monastiques.

[3] Santo Ambrósio, Comentário sobre o Salmo 118, (Sermo 18, 26: PL 15, 1537), Terceira leitura do Ofício Monástico de Vigílias do 18º Domingo do Tempo Comum ano B.

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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