Homilia para XXIII Domingo do Tempo Comum – A,
proferida a 6 de setembro de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

Mt 18,15-20

Introdução

Irmãos e irmãs, o Evangelho é sempre surpreendente. Dois domingos atrás ouvimos Jesus dizer a Pedro: “tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19); hoje diz à comunidade dos discípulos: “tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu” (18,18). Em outras palavras, o “poder das chaves do Reino” que foi conferido a Pedro, está aqui investido à toda a Igreja. Assim, é por meio da “correção fraterna”, desde que esta realmente esteja dentro da misericórdia divina, que podemos, também nós, “ligar e desligar” a nós e nossos irmãos no Reino dos Céus.


Homilia

Caros irmãos e irmãs. Imaginemos a cena entre dois irmãos, onde um diz: “Ei! você pegou muito chocolate. Mamãe disse que só deveríamos comer uma barra chocolate! E já é a segunda vez que você pega duas! Vou contar para a mamãe!” E, vendo que seu irmão repetia sua gula, ele então se dirige à sua mãe: “Mamãe, Pedrinho comeu duas barras de chocolate! E ele ontem já havia comido mais duas!”. Imagino que aquela mãe deve ter ficado muito feliz em ver seu filho esforçar-se para, do seu jeito, viver o evangelho.

“Se o teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós… Se ele não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas testemunhas…”

(cf. Mt 18,15).

Mas, sem questionar a vida evangélica própria das crianças, todos concordamos que deve haver outra maneira mais profunda de praticar o Evangelho além desta. Que apelo, então, Cristo nos dirige quando nos exorta à correção fraterna? E, antes de mais nada, será que a correção fraterna realmente é uma preocupação para mim? Compreendemos o que é correção fraterna para um casal, dentro de família, numa comunidade monástica… Mas, e entre nós, entre cristãos? Pouco depois de haver pronunciado as palavras que acabamos de ouvir, Jesus entrará em Jerusalém para dar sua vida, e assim reunir seus discípulos em um só povo. A Paixão de Cristo torna possível a nossa unidade, e hoje Jesus dá os meios para fazer frutificar esta unidade. A correção fraterna manifesta a preocupação que devemos ter uns pelos outros, porque somos um em Cristo. Portanto, a correção fraterna é responsabilidade de todos nós.

Mas voltemos às coisas importantes – voltemos às duas barras de chocolate! –: devo ou não devo protestar? Devo ou não devo estar atento ao pecado do meu irmão? Antes de responder, voltemos a dois domingos atrás, onde ouvimos Pedro proclamar sua fé em Cristo, o Filho de Deus. Jesus então elogiou a fé de Pedro e disse-lhe: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (16,19). E, vejam: hoje Cristo declara a mesma coisa, mas desta vez, para todos os seus apóstolos. Isso mostra que as duas passagens estão ligadas. E no Evangelho do domingo passado, quando Jesus anunciou sua morte e ressurreição, Pedro então chamou Jesus à parte e lhe disse: “Que isso nunca te aconteça!” (16,22). E Jesus lhe aplica o que encontramos no Evangelho de hoje: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo”. E repreende Pedro duramente: “Vai para longe, Satanás! Não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” (16,23). Com esta frase, Jesus manifesta qual é o pecado de Pedro: naquele momento, ele já não se comportava como discípulo de Cristo; mas queria preceder Cristo, mostrar-lhe que caminho ele deveria seguir. E Jesus, então, o lembra de sua condição de discípulo. “Siga-me, venha atrás de mim, torne-se novamente um discípulo”. Portanto, a primeira característica deste pecado que deve nos levar ao encontro de nosso irmão, é quando há um pecado que leva este irmão a não ser mais discípulo de Jesus Cristo, a não mais segui-lo. Mas Jesus adiciona ainda uma segunda característica. Ele chamou Pedro de “Satanás”. Isso não significa que Pedro seja o diabo; não, Pedro é um homem e o diabo é um anjo caído. Mas “Satanás”, nas Escrituras, designa um adversário, aquilo que atrapalha, alguém que deseja fazer o outro cair. Neste sentido, o diabo é Satanás, mas Pedro também é. O pecado em questão aqui é, portanto, aquele que pode levar à queda de outros, ou que quer arrastar outros para sua própria queda. Pedro colocou-se como um obstáculo entre Cristo e a Paixão, entre Jesus e a Salvação que ele traz. Assim, o apelo de Jesus para ir ao encontro do irmão que pecou diz respeito àqueles que não querem mais seguir a Cristo, mas também àqueles que poderão fazer outros cair, especialmente os mais fracos.

Jesus não apenas nos diz quando agir, mas também como agir: ir ao encontro do irmão que pecou, primeiramente, sozinho; depois, com uma ou duas outras pessoas; em seguida, avisar a comunidade; e, finalmente, tratá-lo como pagão ou publicano, caso ele se recuse a ouvir. Mas não podemos esquecer que Jesus foi ao encontro dos publicanos: comeu na casa de Zaqueu e de Levi; recebeu a pecadora na casa de Simão, o fariseu; elogiou a fé de estrangeiros e de pagãos como o Centurião de Cafarnaum (Lc 7,1-10) e a mulher Cananéia (Mt 15,21-28). Não podemos esquecer que Jesus fala no evangelho de hoje de um “irmão”. E é precisamente porque amo meu irmão que sou levado a querer que ele abandone seu pecado. E se, por acaso, tenho algo contra meu irmão (ou ele tem algo contra mim), Cristo nos pede uma coisa: “Vai primeiro reconciliar-te com teu irmão” (Mt 5,24). E isso é algo fundamental porque está estritamente ligado ao lugar central da oração em nossas vidas, como conclui Jesus:

“Se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que quiserem pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus”.

(Mt 18,19).

Sem a ação de Deus, sem a Graça operando em nós, ninguém pode converter-se nem abandonar seu pecado. Além disso, buscar testemunhas na hora de corrigir o irmão, não é escolher pessoas grandes e fortes para intimidar o outro, mas, principalmente, para orar juntos e levar o outro à conversão. Enfim, Jesus não se contenta em dizer “façam assim”, mas envolve sua própria pessoa na questão, ou melhor, se tivermos seguido todos os passos anteriores, ele mesmo faz a obra em nosso lugar:

“Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles”.

(Mt 20,20).

O primeiro a experimentar esta correção fraterna foi Pedro. E sabemos que isso aconteceu várias vezes com ele: novamente durante a Paixão, quando com uma espada tentou impedir que Jesus na Cruz “bebesse o cálice que Pai havia lhe dado” (cf. Jo 18,11), e ainda mais tarde em Antioquia, quando Paulo repreenderá Pedro diante de frente de toda a comunidade quando viu que ele “não trilhava o caminho reto conforme o evangelho” (cf. Gl 2,11-14). Mas, em todos estes momentos de correção, Pedro experimentou a misericórdia de Deus e dos irmãos. Certamente é por isso que Jesus o escolheu como pedra para sua Igreja. Não tenhamos medo de também nós, experimentar a correção fraterna.

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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