Is 50,4-7; Sl 21; Fl 2,6-11; Lc 22,14-23,56
10 de abril de 2022

Este ano lemos, neste Domingo de Ramos, o relato da Paixão segundo o evangelista Lucas. Como sabemos, Lucas é o Evangelista da Misericórdia. A tradição da Igreja primitiva que ele nos transmite em seu Evangelho é a do amor infinito de Deus manifestado em Jesus Cristo. Nenhum evangelista percebeu e expressou melhor a sensibilidade do amor do Pai, que se manifestou em Jesus, especialmente para com os pobres, os que sofrem, os marginalizados pela sociedade. Ao longo de seu Evangelho, Lucas enfatiza a preocupação de Jesus para com os fracos, os órfãos e as viúvas e, claro, também para com os pecadores. Neste contexto, é bom ouvir o Papa Francisco expressando repetidamente seu sonho de uma Igreja pobre para os pobres e seu chamado a introduzir mais ternura em todas as relações humanas.

Esta mesma preocupação de Lucas, que encontramos ao longo do seu Evangelho, manifesta-se de forma muito especial na narrativa da Paixão que acabamos de ouvir. Mas, primeiro, Lucas nos revela a intimidade da relação de Jesus com o Pai, por exemplo, em sua oração no Horto das Oliveiras: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice” (Lc 22,42). Para São Lucas, até a cruz é, antes de tudo, o sacramento por excelência do amor divino e da misericórdia. Ele insiste menos do que os outros evangelistas nos aspectos dolorosos e cruéis da Paixão: não menciona a flagelação ou a coroação de espinhos, nem outros elementos que poderiam enfatizar a culpa dos atores deste drama. Ao contrário, ele prefere fazer com que as pessoas descubram o amor do Pai por seu Filho e por todos os seres humanos, mesmo nesta situação de dor. Aqui, Jesus não aparece abandonado no Calvário. Ele está acompanhado por conhecidos e pessoas que o seguiam (cf. 22, 49). Em vez da citação do Salmo 21 encontrada em Mateus e Marcos (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” cf. Mt 27,46 e Mc 15,34), Lucas coloca na boca de Jesus a manifestação da imensurável confiança do Salmo 30,6: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 22, 46).

Além disso, em seu relato, Lucas apresenta Jesus como uma vítima inocente, cuja inocência é reconhecida por Pilatos e Herodes, mas o descreve em uma atitude de compreensão e perdão misericordiosos. “Não encontro neste homem nenhum crime” (23,4); “Já o interroguei diante de vós e não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais; nem Herodes, pois o mandou de volta para nós. Como podeis ver, ele nada fez para merecer a morte.” (13-15); “Pilatos queria libertar Jesus… ‘Que mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte’” (20.22). Percebam que, no evangelho de São Lucas, quase todos os personagens são, de alguma forma, perdoados: Jesus cura a orelha de um de seus agressores, que havia sido ferido por Pedro (22, 50-51). Para todos os seus carrascos ele pede ao Pai: “perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (23, 34). O centurião é um homem reto que reconhece: “De fato! Este homem era um justo” (23, 47), e todo o povo volta para batendo no peito (23, 48). Até mesmo Herodes e Pilatos se reconciliaram naquele dia: “ficaram amigos um do outro, pois antes eram inimigos” (23, 12).

Portanto, Lucas concebeu seu relato da Paixão como uma contemplação da misericórdia de Deus manifestada em Jesus. No início do Evangelho, durante sua primeira pregação em Nazaré, Jesus leu no texto do profeta Isaías: O Espírito do Senhor está sobre mim… enviou-me para anunciar a Boa Nova aos pobres… a libertação aos cativos… e para proclamar um ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4, 18-19), e depois proclamou: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura” (4, 21). Isso abriu um ciclo que se fecha no final do Evangelho, no final da narrativa da Paixão, quando Jesus repete este “hoje” ao ladrão arrependido: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (23, 43). Tudo foi realizado. A misericórdia foi cumprida. E só nos resta, caros irmãos e irmãs, por meio da Palavra, da Eucaristia e de todos os Sacramentos, nos aproximarmos com confiança desta fonte de misericórdia.

Dom Martinho do Carmo, osb

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