Domingo de Pentecostes – C
At 2,1-11c; Sl 103; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 14,15-16.23b-26
Paróquia Senhor Santo Cristo (Cidade Tiradentes), São Paulo, SP.
05 de junho de 2022

Caros irmãos e irmãs. Lucas, nos Atos dos Apóstolos, e João, no seu Evangelho, apresentam-nos duas descrições muito diferentes, mas complementares, da irrupção do Espírito Santo na primeira Comunidade Cristã – a dos Apóstolos e dos primeiros discípulos. Em Lucas (At), é uma manifestação visível, admirável, barulhenta, que interfere no ambiente ao redor. Em João, tudo se volta à interioridade, como uma presença íntima. Mas, em ambos os casos, trata-se da presença do Espírito de Deus na massa humana.

Nas religiões antigas, o ser humano sentia necessidade de ir a Deus. Mesmo no judaísmo antigo, a Tenda da Reunião (ou do Encontro) e, mais tarde, o Templo de Jerusalém, eram considerados como o lugar da presença de Deus, onde os homens iam ao encontro de Deus. No entanto, Jesus nos diz que doravante é Deus quem quer vir a nós. … “se o amarmos”.

Ao longo do Evangelho, Jesus falou abundantemente sobre o amor ao próximo e o amor ao Pai. Aqui, pela primeira vez, em um momento de grande intimidade com seus discípulos, antes de sua morte, ele fala do amor a si mesmo. “Se me amais, guardareis os meus mandamentos…” (Jo 14, 15). Mas o que está em jogo aqui não é uma simples questão de observância exterior de leis e preceitos; na verdade, Jesus quer nos ensinar sobre a identificação, a assimilação consigo, a apropriação de sua Pessoa através do amor. “Se” este é o nosso desejo, então Cristo orará ao Pai para que nos envie o Espírito Santo.

E prestemos bem atenção no que Jesus disse: “Se me amais”. Essa pequena palavra – “se” – é importante e faz toda a diferença. Ela indica que a amizade ou o amor não nos são impostos. Essa pequena palavra indica que o que Jesus nos diz hoje no Evangelho é um convite cuja resposta é sempre incerta: sim ou não. E depois Jesus diz aos discípulos o que acontecerá se eles o amarem. Em primeiro lugar, se eles amam a Jesus, serão fiéis aos seus dois mandamentos: o do amor a Deus e ao próximo. E ele, por sua vez, orará ao Pai por eles e o Pai lhes enviará o Espírito da Verdade, que será seu defensor.

Um pouco mais adiante, Jesus amplia seu discurso. Ele primeiro havia dito: “Se me amais…”. Mas depois ele diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada.” (23b). Isso se aplica a cada um de nós: se amamos a Jesus, seremos fiéis à sua Palavra, seu Pai nos amará, e Jesus e seu Pai farão morada em nós.

Uma das palavras-chave do Evangelho de São João é o verbo permanecer. Essa palavra está ligada à noção de duração e estabilidade. Inclusive, em grego, o verbo “μένῃ” significa, ao mesmo tempo, permanecer e habitar: “permanecer em Cristo” é o mesmo que “habitar em Cristo”; dizer que “Deus habita em nós” é o mesmo que dizer que Ele “permanece em nós”. Ora, é muito bom visitar novos lugares, mas o lugar onde habitamos é aquele onde estabelecemos nossa residência permanente. É relativamente fácil multiplicar encontros mais ou menos superficiais – que, aliás, podem ser proveitosos e enriquecedores –; mas permanecer fiel a um único relacionamento pessoal exige constância e estabilidade. As únicas relações nas quais se pode permanecer continuamente e com fidelidade são as de amor ou de amizade. E é desse tipo de relação que Jesus fala aos seus discípulos durante a Última Ceia que partilha com eles, que são seus amigos, seus amados. Ele os chama a permanecerem fiéis a essa amizade, mesmo quando ele não estiver mais entre eles.

Depois disse-lhes: “O Espírito Santo… vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (26b). O Espírito que Jesus promete é o Espírito da verdade, que também é o Espírito da recordação e da memória. Ele habita no coração de todo aquele que é discípulo de Jesus, ou seja, daquele que acolheu a sua mensagem, e traz constantemente esta mensagem em seu coração. E aí entendemos, finalmente, que quem “guarda os mandamentos”, não somos nós, mas o próprio παράκλητος, aquele que caminha sempre ao nosso lado.

Pentecostes é festa em que celebramos o início da obra do Espírito dentro da Igreja, que era, naquele momento, nada mais do que a pequena comunidade daqueles que puseram sua fé em Cristo Jesus. Fortalecida por este Espírito de verdade e de recordação, a Igreja de Jesus atravessou todos os séculos, todas as crises da sociedade e todas as suas próprias crises internas. A afirmação condicional de Jesus – “Se me amais…” – dirige-se não somente ao grupo de discípulos com quem fez a sua última refeição, mas também a todos nós. Sabemos que não é fácil amar, sobretudo quando temos consciência das exigências do amor. Mas se amarmos verdadeiramente a Cristo, seu Espírito, que é o Espírito da verdade, nos dará a força para enfrentar a verdade sobre nós mesmos, individualmente, mas também sobre nós como Igreja, e sobre cada um daqueles que constituem conosco a Igreja, Corpo de Cristo.

Diante desta Verdade, que pode revelar-nos, às vezes, coisas dolorosas sobre nós mesmos individualmente e sobre todos nós como Igreja, o Espírito de recordação lembra-nos os dois grandes mandamentos: o amor a Deus e o amor incondicional aos irmãos, ambos exercidos pela guarda dos mandamentos de Deus. Há uma leitura opcional para o domingo de Pentecostes (Rm 8,8-17), que confirma tudo o que tento vos dizer: “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. (…) Se, porém, Cristo está em vós, embora vosso corpo esteja ferido de morte por causa do pecado, vosso espírito está cheio de vida, graças à justiça. E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos mora em vós, então aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós” (9-11) “E, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo; se realmente sofremos com ele, é para sermos também glorificados com ele.” (17). E é por isso que dizemos hoje: Vinde Espírito Santo e enchei os corações de vossos fiéis! Amém! Aleluia!

Dom Martinho do Carmo, osb

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