Homilia para o 6º Domingo da Páscoa – Ano B,
proferida a 9 de maio de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

At 10,25-26.34-35.44-48; Sl 97; 1Jo 4,7-10; Jo 15,9-17

Introdução

Caros irmãos e irmãs, as leituras da liturgia destes últimos domingos da Páscoa preparam-nos gradualmente para a festa de Pentecostes, a partir do discurso após da Última Ceia, onde Jesus falou de várias maneiras sobre o amor aos seus discípulos. De fato, é o Espírito Santo quem “derrama o amor de Deus nos nossos corações” (cf. Rm 5, 5), e devemos estar preparados para compreender o que é este dom do amor verdadeiro. É no Quarto Evangelho e na Primeira Carta de São João, ouvidos neste domingo, que encontramos os ensinamentos mais profundos sobre o amor que Deus nos dá para torná-lo nosso Amor.

Homilia

Caros irmãs e irmãos, vós certamente notastes que na segunda leitura e no Evangelho que acabamos de ouvir, as palavras “amor”, “amar” e “amigos” aparecem mais de vinte vezes nessas duas leituras. Tal insistência do evangelista sobre o Amor de Deus para conosco e sobre o amor que devemos ter por Ele e pelos outros não é sem razão. Com isso, ele nos ensina como devemos tentar pensar em Deus – através da categórica fórmula “Deus é Amor”, da segunda leitura –, e também como devemos viver em razão dessa identidade de “Deus-Amor”, e do mandamento não menos poderoso feito duas vezes no Evangelho: “amai-vos uns aos outros” (Jo 15,12.17).

Dizer que “Deus é Amor” é dizer que em seu ser divino Ele é atraído para o outro. O grande teólogo Santo Tomás de Aquino dizia que cada uma das três pessoas da Trindade é um “ad” (em latim), ou, em língua portuguesa, um “ser para o outro”. O Pai vai para o Filho no Amor, o Filho vai para o Pai no Amor, e o Espírito Santo é a comunhão entre eles no mesmo Amor. Deus é, portanto, um Deus da alteridade: ele não é um Deus para si mesmo, mas cada uma das Pessoas da Trindade é uma existência as outras duas, e as Três Pessoas são uma existência para nós. Seu verdadeiro nome, portanto, não é a única palavra: “Deus” – e seria interessante até tirarmos essa ideia da cabeça. Nosso Deus não é um Deus para Si mesmo, mas é um Deus que é para os outros, e deveríamos, inclusive, colocar um hífen de união entre essas palavras, e chamá-lo de “Deus-para-os-outros”, porque o Pai está em contínuo impulso e atração para o Filho que O encanta eternamente no Amor e cada uma das três Pessoas experimenta o mesmo impulso, a mesma atração: um círculo de Amor muito bem expresso nos rostos do admirável ícone de Rublev, um círculo de Amor numa infrangível unidade, num eterno impulso e atração de Amor entre as três pessoas.

Deus é “Amor para”! A Criação do universo, empreendida pelas três Pessoas divinas, traz a marca de sua identidade. Deus, em nosso mundo, é um Deus-para-os-outros, um Deus, a princípio, para o seu Filho, mas um Deus que se preocupa com a obra que realizou, com o universo e com cada de seus habitantes: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei” (Jo 15,9). O Amor de Deus, o Amor que é Deus, foi derramado em nossos corações. Ele é o Deus dos seres humanos; e não é um deus isolado, mas sempre disponível a relacionar-se conosco. E sabemos que Ele optou por ficar ao nosso lado visto que Ele enviou seu Filho para unir-nos à Sua Vida: “Eu-vim-para-vós” poderia ser, realmente, o outro nome deste Deus de alteridade.

A humanidade, portanto, não deve pensar que está sozinha, ou que é movida por alguma força obscura que coloca em movimento o cosmos e a história. Não, nada existira sem Aquele que, em seu Amor para com sua obra, quer continuamente atrair-nos à Ele, visto que isso faz parte do seu Ser. Deus dá vida ao universo, todo este mundo que tanto admiramos e do qual nunca vemos o fim, Deus o faz viver com a sua própria Vida. Ele nos ama porque seu ser divino, seu Amor, continuamente o impulsiona para nós.

Mas o Evangelho não fala apenas sobre Deus; fala também sobre nós. “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,12). Deus não criou em nós uma identidade diferente da sua, mas deu-nos aquela identidade da qual diz o salmo: “Vós sois deuses, sois filhos todos vós do Deus altíssimo” (Sl 81,6). Nossa identidade é a de um Deus-para-os-outros. “Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus[1]”, dizia Santo Agostinho. Portanto, não podemos nos chamar de cristãos sem procurar ser o que Ele mesmo é: sermos nós mesmos amor para com Deus e para com os outros. “Amai-vos uns aos outros” deveria ser a identidade de nosso mundo. Assim como Deus, estamos ligados uns aos outros, e ninguém vive para a sua própria imagem, ninguém vive para si mesmo: tanto na vida material, quanto na vida interior, feita à imagem do Deus-Amor, isso também é verdade. Ninguém pode viver independente deste mundo em que estamos, ninguém pode viver fechado em si mesmo. Se Jesus ordena: “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”, então as divisões, rancores, rivalidades, disputas entre cristãos certamente são faltas graves, que poderiam se encaixar naquilo que comumente chamam de “pecado mortal”, pois quebram o laço de união com a Fonte da vida. O pecado mortal é um pecado contra o amor porque é a face de Deus que é agredida no outro que traz consigo a mesma face divina que há em nós. As atuais desordens em nossa sociedade têm origem no desconhecimento ou, pior, na recusa do que realmente somos perante Deus e perante os outros.

Deus revelou-nos sua identidade ao enviar-nos seu Filho e nisto conhecemos o Amor de Deus para conosco. Nossa identidade cristã, que procuramos aprofundar, convida-nos a realizar em nós, em uma escala humana, naturalmente, a identidade do Deus-Amor. Tal como Cristo permaneceu no Amor de seu Pai, nós também permaneceremos no Amor do Pai se observarmos o seu preceito, aquele que o Evangelho de hoje nos recordou: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. Mas, antes que nos angustiemos pensando em como amaremos desta forma aquele irmão, aquela irmã “difícil”, devemos lembrar-nos antes que nossa resposta ao Amor não pode contentar-se com nenhum esforço humano, mas deve reconhecer e unir-se ao próprio dom de Deus-Amor, dizendo a cada dia, como diremos hoje na oração sobre as oferendas: “Purificai-nos, Senhor, por vossa bondade, pois somente assim corresponderemos cada vez melhor aos sacramentos do vosso amor[2]”.

O Senhor Ressuscitou verdadeiramente! Amém! Aleluia!


[1] AGOSTINHO, Sermão 13 de Tempore, em Patrologia Latina 39, p. 1097.

[2] Cf. MISSAL ROMANO, Oração Sobre as Oferendas, 6º Domingo do Tempo Pascal.


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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