Homilia para o 29º Domingo do Tempo Comum – Ano B,
proferida a 17 de outubro de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

Is 53,10-11; Mc 10,35-45

Introdução

Caros irmãos e irmãs, como gostamos de estar bem servidos! Que agradável é ser servido com eficácia, pontualidade e pulcritude. E como nos queixamos quando, depois de haver pago um serviço, não recebemos o que esperávamos.

Hoje, novamente, Jesus altera nossos esquemas, e nos ensina com seu exemplo: Ele não só é servo da vontade do Pai, que opera a nossa redenção, mas também paga com o próprio sangue pelo próprio serviço que oferece! Que expressivas são as representações de Cristo vestido como um Rei cravado na cruz! Algumas destas imagens recebem o nome de Santa Majestade, e nos são uma catequese onde contemplamos como servir é reinar e, como o exercício de qualquer autoridade será sempre um serviço.

Homilia

Caros irmãos e irmãs, ouvir Jesus dizer aos Apóstolos: “Entre vós, quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos” (Mc 10,44), não faz senão estimular os filósofos e inimigos da Igreja, que, como Nietzsche por exemplo, denunciam o cristianismo como uma religião de escravos, transformando em modelo a fraqueza humana.  Isso é algo que não podemos negar totalmente, porque Jesus, de fato, nos chama a escolher o último lugar e a nos fazermos pequenos como as crianças.  Ele mesmo que é o Enviado do Pai, “se esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens” (Fl 2,7). Ou seja, próprio Deus escolheu a fraqueza… Ora, então a filosofia pagã questiona: Deus pode ser fraco? Se pode, será que ele é verdadeiramente Deus? Tais objeções, antes de nos atacarem, podem nos ajudar a compreender o porquê desse apelo de Jesus a nos fazermos servos e escravos.

Uma primeira justificativa, mas que não chega a ser exatamente uma, é reconhecer que o ser humano é, por natureza, fraco. Adão é fraco com relação aos animais, como nos dizem os Padres da Igreja, porque ele não tem sua força, não tem bico, nem garras. Mas sendo uma criatura à imagem do Deus Criador, ele também é chamado à “criatividade”. O ser humano é frágil, e isso deve levá-lo a ser “criativo”. Assim, da fraqueza brota a novidade, que nada menos é que uma sublimação da fragilidade.

Mas a Sagrada Escritura dá à fraqueza uma segunda dimensão. É o caso, por exemplo, da fraqueza de Davi. Toda a história da salvação é atravessada por este paradoxo: o mais fraco sempre ganha, pois “o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza” (2Cor 12,9). Assim, temos Davi desafiando Golias, mas temos também Moisés que gagueja, Jeremias o tímido, Judite decapitando o general Holofernes, Ester, Rute e todas as mulheres da Antiga Aliança, o Servo Sofredor do profeta Isaías (1ª leitura) … Em todos eles, é em suas fraquezas que se manifesta o poder de Deus. Mas não é a fraqueza enquanto tal que é exaltada em todas estas figuras bíblicas, mas sim a fraqueza como terreno favorável para o desenvolvimento do poder de Deus. Esses homens e mulheres anunciam o mistério da Encarnação e o mistério da Cruz, pelos quais o poder de Deus vence o mal. É assim que Paulo atesta seu poder por meio da fraqueza, e a loucura do Evangelho, dizendo: “sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Cor 12,10). Aqui, ser fraco, é deixar todo o espaço a Deus para que Ele possa agir. Porque Deus não quer nos desumanizar, mas quer nos divinizar. A fraqueza não é uma negação do ser humano, mas uma abertura para a sua glorificação.

Mas, neste ponto, pode surgir ainda uma objeção: isso que é necessário para o ser humano também o foi para Cristo? Ou, dizendo de outra forma: Cristo não tinha, de forma alguma, necessidade de ser fraco para que o poder de Deus se manifestasse n’Ele, visto que é Deus! Então, é aí que vem uma terceira explicação da fraqueza para completar, ou melhor, para levar à plenitude as explicações precedentes: é preciso ser fraco para tornar-se forte. Se Deus se abaixa voluntariamente, é para nos erguer; se ele se fez homem, é para que o homem se fizesse Deus; se ele assume a nossa fraqueza, é para nos tornar fortes em Seu amor: “O Filho do homem assumiu a nossa fraqueza para ser a nossa força”. De fato, como diz São Máximo o Confessor, “o homem só se entrega sob o peso da extrema humilhação de Deus”. Mas essa humilhação que se manifesta em Deus, na verdade, é uma fraqueza que não é tão familiar ao ser humano: é a fraqueza do amor. Deus não escolhe a fraqueza por si mesma, mas a escolhe porque nos ama tanto que se faz o menor possível para se unir conosco lá onde estamos. E aí surge diante de nossos olhos o maior paradoxo desta fraqueza divina. Por ser tão fraco, Deus tem necessidade de uma certa força que poderíamos chamar de “força de ser fraco”. E, na verdade, desta força só Deus é capaz, pois, como nos ensina São Paulo, “a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,25). Somente Deus é forte de tal forma, que é capaz de ser fraco. A fraqueza de amor de nosso Deus não faz senão ilustrar o quanto Deus é poderoso!

Irmãos e irmãs, também nós somos chamados a viver esta força na fraqueza. E, de fato, quanta força não é necessária para assumir, por amor, o último lugar, e deixar o irmão crescer! Quanta força não é necessária para não buscar ser estimado, consultado, bem visto por todos, a fim de promover e deixar livre o irmão. Mas o que destrói esta força, é isso que Jesus denuncia no Evangelho de hoje: quando procuramos comparar e rivalizar para se saber quem é o maior. Ora, “Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43)! O Cristianismo não é a religião do “comparativo”, mas sim do “superlativo”: nossa preocupação não deve ser a de ser menos ou mais santos que os outros, mas simplesmente a de sermos grandes santos! Portanto, deixemos de nos comparar, e aspiremos todos a santidade. Assim como fez o Filho do homem, demos nossa vida na forma do serviço. Para Jesus, aniquilar-se na Cruz, a princípio, não é sofrer, é servir! Mas será que nós somos servidores uns dos outros, ou somos dominadores?

Irmãos e irmãs, os dois lugares a direita e a esquerda do Cristo, nós sabemos muito bem quem os ocupou: foram os dois ladrões. O bom ladrão, já fraco devido ao seu pecado, teve a força de ser ainda mais fraco, abandonando-se à misericórdia de Deus: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino” (Lc 23,42). Se fizermos hoje e todos os dias este pedido, Deus, com certeza, não poderá recusar.

Amém!

Inspirado em uma homilia de fr. Hyacinthe Destivelle o.p. (Toulouse 22/10/2000).


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós! Papa Francisco

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