27º Domingo do Tempo Comum – C
Hab 1,2-3;2,2-4; Sl 94; 2Tm 1,6-8.13-14; Lc 17,5-10
02 de outubro de 2022

Homilia

“Pedi e vos será dado, buscai e encontrareis” (Mt 7,7). É com esse desejo que somos hoje chamados a penetrar no mistério contido nas palavras de Jesus. Porque, convenhamos, elas não são imediatamente compreensíveis. De fato, Jesus nos confunde com seus propósitos. Ora, porquê uma árvore desejaria desenraizar-se e plantar-se no mar? E que exemplo é esse desse mestre que pede ao seu empregado cansado e exausto após o trabalho com a terra e com os animais para servi-lo à mesa antes mesmo de deixá-lo descansar um pouco? Jesus destila essas palavras com uma naturalidade que nos desconcerta. Então, vamos pedir, buscar e acolher a essas duas parábolas que nada parecem ter em comum, mas que, entretanto, se complementam.

Comecemos com o contexto inicial. “Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’” (Lc 17,5). O que esperam os apóstolos com um pedido como este? Eles viram todos os sinais que Jesus realizou. Eles mesmos foram enviados em missão para expulsar espíritos maus e curar todo tipo de doença. Sim, eles já creem, mas ainda são como aquele homem que disse para Jesus: “Senhor, eu creio, mas ajuda a minha pouca fé” (Mc 9,24). Certamente ressoa ainda no coração dos discípulos aquilo que Jesus havia dito antes a este mesmo homem: “Tudo é possível para aquele que crê” (Mc 9,23), ou a resposta de Jesus a Marta: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (Jo 11,40). Os discípulos viram que, porque Marta acreditou, seu irmão Lázaro saiu vivo do túmulo.

Tantos sinais, mas o ser humano sempre volta a duvidar de sua fé. O discípulo sabe que sua fé é apenas um germe que precisa ser reconfortado, fortalecido e amplificado pela fé de Jesus. Ele sabe que é um “homem de pouca fé”, como Jesus o qualificará várias vezes no evangelho. Mas, percebam que, na concepção dos apóstolos, a fé é algo que pode ser quantificado, como se houvesse limites a serem ultrapassados. E Jesus, hoje, quer tirar definitivamente essa ideia da cabeça dos discípulos usando a surpreendente imagem do grão de mostarda. A questão não é buscar aumentar nossa fé, mas simplesmente ter fé: mesmo que nossa fé seja do tamanho de um grão de mostarda, ela dará frutos além da medida.

A fé é uma adesão, é um simples “sim” proclamado ao Senhor de nossas vidas. A fé é como uma porta que se abre para um espaço livre que, de repente, aparece nas profundezas do nosso coração, uma brecha em nós onde o Espírito de Deus pode penetrar, um espaço vazio de nós mesmos, de nossas ideias, de nossos interesses, um “nada” em nós com o qual Deus pode fazer tudo. Não importa o tamanho da porta. O importante é esse espaço que a fé libera quando a porta se abre, onde acontece a permuta entre o “nada sou e nada posso” e “Aquele que é o Todo-Poderoso” e que pode fazer qualquer coisa. A fé é um encontro com Jesus. Pouco importa se nossa fé é mais ou menos perfeita, se ela expressa desta ou daquela maneira; o essencial é esse espaço de liberdade onde meu “sim” desposa o eterno “sim” de Deus para comigo. É preciso que aceitemos essa parte infinitesimal, invisível e materialmente imperceptível que é a nossa fé. E é preciso saber que, assim como é para o amor, a medida da nossa fé é crer sem medida.

Sim, Jesus ousa justamente desmedir a fé! Ele nos diz que nossa fé, mesmo minúscula, pode desenraizar uma grande árvore! Mas, o que seria essa “grande árvore”? Por acaso não seríamos nós mesmos? O salmista diz que o justo “é semelhante a uma árvore que à beira da torrente está plantada” (Sl 1,3). A fé nos ajuda a cortar todas as raízes que nos mantêm ligados ao espírito mundano. A fé nos exorta a abandonar nossas redes para seguir Aquele que faz de nós pescadores dos homens, e que nos diz para “avançar para águas mais profundas” (cf. Lc 5,4), ou, melhor ainda, para caminhar por sobre as águas (cf. Mt 14,29) da dúvida, do mal, do pecado e da morte. Sim, é possível plantar nossas raízes no mar se crermos naquele que venceu a morte. Deus pode fazer qualquer coisa se deixarmos Ele agir em nós. “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Aquele que crê em mim, conforme diz a Escritura, rios de água viva jorrarão do seu interior”, afirma Cristo (Jo 7,37-38). Sim, com a fé, jorrarão rios capazes de carregar para longe todos os obstáculos de nossas vidas, mesmo que sejam do tamanho de montanhas. Jesus usa a espetacular imagem do grão de mostarda para nos fazer entender que, embora nossa fé seja pequena e falha, ainda assim Deus faz milagres por meio dela.

E o verdadeiro milagre, ou melhor, o único milagre que Deus opera a partir de nossa fé é o amor. “Pois, em Cristo Jesus, só o que vale é a fé agindo na caridade”, diz o apóstolo Paulo aos Gálatas (cf. Gl 5,6). E é isso que Jesus quer explicar aos discípulos por meio da parábola do mestre e do empregado. Este empregado sou eu, é cada um de nós, que somos chamados a trabalhar para o Reino. Além disso, o empregado é o próprio Jesus, que “não veio para ser servido, mas para servir”, como ele mesmo nos diz (Mt 20,28). Num mundo onde todos querem ser mestres, Jesus ensina: “Estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27). E no final de sua vida, após ter feito a obra do Pai, ele avança em direção à Cruz, onde diz simplesmente “tudo está consumado”: Jesus é o Empregado que doou-se de forma que esqueceu-se de si mesmo.

Jesus reconhece a si mesmo nesse empregado qualquer da parábola que apenas cumpriu seu dever. Ele que é o maior entre nós, fez-se nosso servo. Seu olhar não está buscando um reconhecimento, uma recompensa efêmera, mas sim a visão da qual fala Habacuc, a visão da Beatitude do céu (cf. Hab 2,2-4, Primeira Leitura). É a fé nesta comunhão eterna com o Pai que permite a Jesus amar ao extremo. A fé vivenciada na humildade e no amor permite a onipotência de Deus. E a cruz, então, se torna um caminho de ressurreição. A fé nos conduz ao amor e o amor nos conduz à fonte de todo amor que é Deus.

Crer e amar. Amar e crer. Estas são as duas faces de um mesmo mistério: o mistério da nossa salvação, que nos torna filhos e filhas da ressurreição. Amém.

Dom Martinho do Carmo, osb

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