1º Domingo do Advento – A
Sb 11,22-12,2; Sl 144; 2Ts 1,11-2,2; Lc 19,1-10
27 de novembro de 2022

Homilia

Caros irmãos e irmãs, o Evangelista São Mateus organiza seu Evangelho em torno de vários grandes discursos de Jesus. No início de seu Livro, dentro do que chamamos de Sermão da Montanha, onde as Bem-aventuranças são o ponto central, ele reúne vários ensinamentos de Jesus sobre a oração, a esmola, o jejum e muitos outros temas fundamentais. Depois, no final do Evangelho, quando Jesus já entrou em Jerusalém, expulsou os vendedores do Templo, e se confrontou violentamente com os Fariseus, sabendo que seu fim está próximo, Mateus relata, um após o outro, vários discursos de Jesus sobre o fim de toda vida humana, a começar pela sua.

Quando este texto do Evangelho foi escrito, a perseguição de Nero já havia acontecido, e vários Cristãos, incluindo Pedro e Paulo, caíram vítimas daquele que era reconhecido como “o Anticristo”. Jerusalém havia sido devastada e muitos Judeus foram mortos, e os que restaram foram novamente deportados, agora para a Grécia. Todos estes acontecimentos obrigaram os Cristãos a considerar com mais atenção do que nunca o sentido da história, e a reler o que os profetas haviam anunciado em textos como o de Isaías, que ouvimos hoje como primeira leitura.

Durante os primeiros séculos após a morte de Jesus, os Cristãos estavam convencidos de que o Senhor voltaria a qualquer dia como Juiz do universo e poria fim à história. O primeiro século, em particular, foi vivido como um longo período de Advento, ou seja, como um longo período de espera pelo retorno do Senhor. Esses Cristãos não tinham interesse em criar estruturas eclesiais, como as que seriam criadas mais tarde. Eles estavam convencidos de que o tempo em que viviam era como um arco e flecha apontados para o cumprimento definitivo da história.

Eis a primeira lição a ser lembrada: o Advento não é, definitivamente, um período de quatro semanas durante o qual leremos textos diferentes dos do resto do ano. O Advento na verdade é uma virtude, um “estado de vida” que consiste em interpretar tudo o que acontece em nossa vida cotidiana, olhando além do próprio nariz ou do próprio umbigo, e tentando ver tudo o que me acontece na perspectiva da minha história e do fim último para a qual minha vida está direcionada.

No texto que acabamos de ouvir, Jesus nos chama à uma atitude de “vigilância” e de “atenção”. É preciso viver com os olhos abertos e com as mãos erguidas em oração. É hora de fazer como Noé que, sabendo da chegada do dilúvio, se preparou para ele, apesar do deboche que lhe foi oferecido por seus contemporâneos.

Portanto, a vigilância, no espírito deste texto evangélico, não é uma espera passiva pelo retorno do Senhor numa oração de quietude. Vigilância é solidariedade com Jesus e participação em seu sofrimento e sua morte. Ele também é solidário com todos os desaventurados com quem escolheu se identificar, especialmente com todos aqueles que, como ele, são vítimas de violência.

Ora, no contexto dos inúmeros conflitos armados que ainda hoje desfiguram a humanidade, a profecia de Isaías (1ª leitura) ressoa como uma enorme reprovação, mas também como fundamento da nossa esperança. Eles “transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices; não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate”, profetizou Isaías.

Mas, por que é justamente o contrário dessa profecia que está se cumprindo diante de nossos olhos? Por quê? Talvez porque, coletivamente, não temos sido vigilantes. Não fomos solidários com Cristo agonizante. Não temos sido solidários com os pobres. Erguemos instituições que geram injustiça nas relações entre seres humanos, e dizemos “isso não é problema meu”. Talvez esteja-nos faltando atenção tanto para com o choro dos oprimidos, quanto para a arrogância dos opressores.

A visão de Isaías deve ser o fundamento da nossa esperança. Porque ela é, de fato, o anúncio da vinda do Messias. Ele já veio, está presente entre nós, e é o mestre da história. No entanto, ele respeita a nossa liberdade, ele até nos deixa cochilar, embora nos repreenda de vez em quando, como quando censurou os discípulos dormindo pouco antes de sua Paixão: “Vós não fostes capazes de fazer uma hora de vigília comigo?” (Mt 26,40). Mas a vitória final de seu reino de paz, comunhão e harmonia está garantida, porque ela depende Dele e somente Dele. Mas quando essa vitória acontecerá, isso depende de nós; porque Ele escolheu realizar sua vitória por meio de nós; ele não quer nos salvar sem a participação de nossa liberdade. A profecia de Isaías, que é uma reprovação e uma fonte de esperança, é também uma responsabilidade e um chamado à vigilância. Cabe a cada um de nós corresponder a ela com obras de amor.

Caríssimos, estar vigilante não significa apenas não adormecer em descuidos, como no tempo de Noé. Significa também vigiar com Jesus, acompanhá-lo em sua subida à Jerusalém e à Cruz. Significa não o deixar sozinho diante de sua morte, pois ela é o ponto culminante de sua luta contra as estruturas injustas de nossa sociedade.

Dom Martinho do Carmo, osb

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