15º DOMINGO DO TEMPO COMUM (C)
Lc 10, 25-37
10 de julho de 2022

Homilia

Espanto. Estupefação. Perturbação. Provavelmente foi isso que aconteceu quando o Samaritano da nossa parábola entrou na pensão com um homem quase morto em sua montaria ou em seus ombros. Perturbação, em primeiro lugar, porque é um Samaritano que entra numa pensão judaica (a cena se passa perto de Jerusalém, portanto, em território judaico), num período em que Judeus e Samaritanos eram inimigos; para os Judeus, os Samaritanos eram impuros. Perturbação porque o Samaritano carrega, talvez ainda sobre um animal, um homem ferido, coberto de sangue, um quase cadáver: ora, que toca uma um cadáver tornar-se também impuro e, portanto, havia no ar um “risco de contaminação”.

O Evangelho não nos diz nada sobre o que exatamente aconteceu na pensão quando o Samaritano lá chegou com um homem ferido. O que se diz é que os dois, o Samaritano e o moribundo, foram acolhidos, sem palavras, sem como e nem porquê. Ninguém protestou, ninguém disse: “Você é um Samaritano sujo, você não pode entrar aqui, você é impuro, não queremos vê-lo aqui, essa pensão não é um hospital”. Nada disso.

Irmãos e irmãs, esta pensão é uma imagem da Igreja, do que a Igreja deveria ser: sensível ao sofrimento, acolhedora de pessoas feridas, despresadas, estrangeiras e estranhas. Não apenas estes, mas eles também. Talvez ainda tenhamos dificuldade em viver esta missão. Talvez ainda tenhamos dificuldade em acolher aqueles que não atendem às nossas exigências, aqueles de quem não gostamos, que nos são antipáticos, aqueles que nos assustam. Provavelmente é por essas razões que o sacerdote e o levita, vendo o homem ferido, passam para o outro lado da estrada. Eles têm medo dele, têm medo de ficarem impuros, “sujos”, talvez sintam até repugnância por ele. Infelizmente, eles não superaram esse sentimento, essa resistência interna (que pode ser bastante normal no início). Mas eles não foram mais longe, em direção ao comportamento ético, em direção à compaixão.

A compaixão é a atitude do Samaritano. Sendo ele mesmo desprezado pelos outros, vendo um homem ferido, fica internamente perturbado com a situação, e é tomado de compaixão. Ele o pega e o leva para a pensão. Ele passa a noite, cuida de suas feridas e, no dia seguinte, dá duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo-lhe: “Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais”. Ora, este Samaritano outra pessoa não é que o próprio Jesus. O evangelista João, mais precisamente em Jo 8, 48, afirma que as autoridades judaicas chamavam Jesus, de forma pejorativa, de “Samaritano”: “Não temos razão em dizer que você é samaritano e que tens um demônio?”. Seus acusadores queriam, com isso, dizer que Jesus havia se afastado da pureza de Israel, e que passava a ser contado entre os impuros.

Aqui, no evangelho de Lucas, Jesus-Samaritano deixa duas moedas de prata para o dono da pensão, ou seja, uma moeda por dia. Ele voltará no terceiro dia, como sempre, como fez, por exemplo, após sua morte – ele voltou ressuscitado no terceiro dia para os seus discípulos. E acrescentou: “Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais” (Lc 10, 35). Jesus nos introduz na Igreja das pessoas feridas e nos pede para cuidar delas, nos pede para amá-las. Ele quer que elas se curem e, por sua vez, ajudem os outros. E se alguma vez isso nos custar mais do que o esperado, ele nos restituirá tudo (e provavelmente infinitamente mais) quando ele voltar para nos levar para junto dele.

Quando isso acontecer, ele não vai primeiro nos perguntar se jejuamos todas as sextas-feiras ou se observamos todas as rubricas litúrgicas. Ele nos perguntará: “Quem trazes contigo, na tua montaria, no teu coração? Que homem ferido você traz até mim? Homens feridos, quase mortos, pesados ​​de carregar (às vezes difíceis suportar), todos conhecemos um ou mais deles ao nosso redor, em nossas famílias ou comunidades, entre nossos conhecidos e talvez até dentro de nós mesmos (partes de nós que falhamos em amar, aceitar, que preferimos não ver, evitar ou mesmo até maltratar).

À pergunta do mestre da Lei: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10, 25), Jesus responde que, para herdar a vida eterna, “Vai e faze a mesma coisa” (37) que este Samaritano, isto é, “leva o teu homem ferido em tua montaria e traze-o para mim para que eu cuide dele”. Nós não vamos para o céu sozinhos, não nos salvamos sozinhos, mas juntos, ora carregando outros, outrora sendo carregados por outros, e na maioria das vezes, acontecem as duas coisas ao mesmo tempo.

Dom Martinho do Carmo, osb

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