XII DOMINGO DO TC – A (Mt 10,26-33)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
O Evangelho que acabamos de ouvir comenta e explica as duas últimas bem-aventuranças do capítulo de 5 de Mateus, onde Jesus declara felizes aqueles que são perseguidos por causa da justiça: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim”. E acrescenta: “pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vós” (Mt 5, 10-12).
No trecho que precede imediatamente o Evangelho de hoje e que continua o do último domingo, quando Jesus envia seus discípulos e lhes confere seu poder, Ele os adverte que os enviará “como ovelhas para o meio de lobos” (Mt 10, 16). Mesmo se Ele lhes recomenda para serem cândidos como pombas, mas prudentes como serpentes, lhes previne que eles serão traídos por seus próximos, perseguidos, jogados na prisão; que eles serão odiados como Ele mesmo foi, pois o discípulo não está acima do seu mestre (cf. Mt 10, 17-24).
Apesar de tudo isso, Jesus lhes diz: “Não tenhais medo!” – uma expressão que se repete como um refrão ao longo de todo o texto de hoje. Não temais aqueles que podem matar o corpo, mas não podem matar a alma. “Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno”. Mas Jesus se apressa em retificar que este que pode nos destruir, cujo nome é usado tantas vezes por alguns que se dizem religiosos para fazer ameaças e manipulações, é um Pai, que se preocupa com todos os detalhes de nossa vida. Um Deus que cuida até mesmo de pardais, não se preocupará com seus filhos, criados à sua imagem e semelhança? Talvez, olhando para algum careca de sua audiência, com senso de humor, Jesus completa: “Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados”.
Diante das dificuldades da vida e, principalmente, diante dos obstáculos e incompreensões que se levantam à nossa frente por causa do Evangelho, temos sempre a tentação de nos deter ou até de voltar atrás e desistir. Esquecemos facilmente que aquele que nos chamou é fiel, é o Bom Pastor, é aquele que nos ama incondicionalmente, ao ponto de entregar sua vida para nos salvar e que permanece juntou conosco. Ele cuida de nós e por isso não há o que temer. “Não tenhais medo!” É o que Ele nos diz hoje.
Sempre que decidimos seguir Jesus e ser testemunhas de seu Evangelho, de sua Verdade, que exige que o nosso sim seja sim e nosso não seja não, enfrentamos o ódio desse mundo. Mas não podemos ter medo. O mundo que jaz na escuridão precisa de nossa coragem para subirmos nos telhados para gritar: “Não tenham medo! Deus está conosco! Não estamos sozinhos!”
Na Igreja primitiva os mártires foram esses nossos irmãos que gritaram essa boa-nova e foram mortos por isso. Hoje a perseguição ao anúncio do Evangelho é mais silenciosa entre nós, não se persegue abertamente o Evangelho. Hoje, o mundo busca mais desacreditar o Evangelho, a Igreja, os cristãos, que combatê-lo frontalmente. Contudo, existem muitos lugares onde este anúncio custa a vida. O próprio fato de reunir-se para a Eucaristia dominical é um risco, que pode custar a vida. No entanto nós, católicos devotos do Ocidente “civilizado”, preferimos, não raro, a comodidade de nossa cama à missa dominical; colocamos tantas outras coisas como prioridade – o almoço com familiares e amigos, o churrasco, o futebol etc – e deixamos a Eucaristia de Domingo como um “compromisso” não prioritário em nossa agenda semanal. Enquanto isso, alguns de nossos irmão e irmãs de Batismo estão arriscando a própria vida e a tranquilidade de suas famílias para poder se reunir ao redor da mesa do Senhor. Isso, irmãos e irmãs, é uma vergonha…
Lá, nesses lugares afastados de nossas vistas, nossos irmãos morrem por causa de sua fidelidade à mensagem de Cristo e sua verdade. Em geral são mortos pelos poderosos deste mundo, porque se colocaram junto e em defesa dos mais pobres e pequenos. Basta lembrar o caso de irmã Dotothy, morta no Pará em 2005, por ter se colocado contra os interesses dos poderosos daquela região. Ela e muitos outros são imitadores de S. João Batista, que celebramos ontem, e que teve sua cabeça cortada porque denunciou o pecado de Herodes e Herodíade. Antes mesmo da proclamação da mensagem de Jesus, que ouvimos hoje, João foi um daqueles que não tiveram medo dos que matam o corpo, pois era um homem livre.
Temos de despertar para essa realidade: o mundo precisa de nosso testemunho. O que o mundo precisa não é de nossa cortesia com a vista que chega para o almoço de domingo, a reunião para os brindes, as fotos do final de semana prolongado para despertar a cobiça dos que nos acompanham nas redes sociais… nada disso o mundo precisa de nós. Nossos amigos, nossos familiares, precisam de nosso testemunho cristão. É essa a luz que o mundo mergulhado nas sombras e no vazio espera de nós. Não tenhais medo! De fato, o medo é um grave obstáculo ao anúncio do Evangelho, que não pode permanecer escondido, mas que não se revela sozinho, sem precisar de nós. Se não nos declararmos diante dos homens, corremos o risco de não sermos reconhecidos por Jesus diante de Deus. Jesus declara isso não para nos meter medo… ao contrário. Ele quer justamente despertar em nós a coragem para não cairmos no medo do mundo. “Não tenhais medo!”
Que hoje nós possamos unir a nossa oração a todos os que são perseguidos por causa da vivência e do anúncio do Evangelho, por pequeno que seja; aos mais próximos e aqueles que estão em terras distantes, onde o nome de Cristo é ignorado ou perseguido. Esses são os mártires de nosso século. Que eles não tenham medo, e que nós, apoiados em seu testemunho, tenhamos também a coragem de sermos mais audaciosos como discípulos de Jesus Cristo, vivendo e anunciando o Evangelho com nossa vida.
