Homilia para o 4º Domingo da Páscoa,
proferida a 03 de maio de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

At 2,14a.36-41; Sl 22; 1Pd 2,20b-25; Jo 10,1-10

Caros irmãos e irmãs

PARA comentar este evangelho em que Jesus nos fala em parábola, ou seja, por meio de imagens como a do pastor, da porta ou ainda das ovelhas, permitam-me, por favor, invocar outra imagem. Se acaso vós tendes em casa uma cópia do Catecismo da Igreja Católica (que, aliás, se não tiverdes é muito recomendado que se tenha!), essa imagem vos é familiar. A imagem do pastor com sua ovelha serve de logotipo da capa desta obra que expressa o conteúdo de nossa fé. Trata-se de um desenho que reproduz a imagem de uma lápide de túmulo cristão do século III, encontrada nas catacumbas de Roma.

E o que vemos nesta imagem? Um homem é nela representado sentado à sombra de uma árvore carregada de grandes frutos. Em sua mão direita – quem diria! – há uma flauta que ele parece levar à sua boca para tocar alguma melodia. Em sua mão esquerda, o homem está segurando firmemente o distintivo bastão dos pastores. A seus pés, uma charmosa ovelha descansa e olha para seu pastor, como se estivesse ouvindo aquela música emitida por sua flauta. Ela parece estar sob o feitiço deste pastor-flautista. Essa cena, originalmente uma representação pagã, foi adotada pelos primeiros cristãos para simbolizar o repouso e a felicidade que os amigos de Cristo encontrarão na vida eterna.

Esta imagem, apesar de seus aspectos bucólicos, é verdadeiramente imbuída de grande seriedade. De fato, as Catacumbas, onde se encontra o seu modelo original, não é um local que se presta a futilidades. Quem visita as Catacumbas sente-se forçado ao silêncio, e o silêncio força-nos à contemplação, força-nos a tentar assimilar algo daquilo que contemplamos. Esta imagem do Pastor e da ovelha, localizada na lápide um túmulo, parece realmente questionar aquele que a contempla:

“Ei! Tu que olhas para mim… Tu és uma ovelha que vagueia sem pastor ou és das ovelhas de Cristo? A que música ouves? Ouves a voz do Bom Pastor ou a voz das trombetas enganadoras deste mundo que caminha para a ruína? Vós ouvis as vozes das ‘Fake News, do militante do partido ‘X’ ou do militante do governo ‘Y, ou ouvis a voz do Cristo, o único que pode nos livrar da angústia e da morte?  Tu que é apenas um sopro que passa como estes que repousam nestes túmulos, crês que o Cristo dá vida e vida em abundância? Qual a tua esperança? Repousarás à sombra da morte ou sob os ramos sempre verdes da árvore da vida? Tendes medo de atravessar os desfiladeiros da morte ou confias n’Aquele que caminha à frente do rebanho, com cajado na mão?”.

Caros irmãos e irmãs, esta imagem contida na capa do Catecismo da Igreja, em si mesma, é uma catequese para a vida eterna. É o testemunho de fé dos batizados que nos precederam. Ela é como uma mensagem que eles nos deixaram ao longo dos séculos para nos fazer entender que Aquele que sofreu e foi crucificado voltou à vida. Por isso ele é o único capaz de nos conduzir do redil desta vida para as “campinas verdejantes” (Sl 22) da vida eterna, pois ele já percorreu o caminho e retornou para nos buscar. Nós devemos olhar para Jesus Cristo ressuscitado com os olhos da ovelha contemplando o seu pastor, afim de não o perder de vista, pois nossa salvação depende disso. Sem ele, o Bom Pastor, não há caminho para a vida eterna. E, mais ainda, devemos nos familiarizar com Cristo para que possamos reconhecer, por ocasião de sua vinda, a sua voz entre milhares de outras vozes, que nós tão bem conhecemos em meio aos tempos difíceis em que vivemos. Pois, quando chegar a hora de vivenciar a nossa Páscoa, será preciso que cada um responda à voz d’Aquele que nos chamará pelo nome. Portanto, se, durante esta vida na carne, Cristo tiver sido para nós apenas um estranho, o Bom Pastor tocará sua flauta, mas nós não o seguiremos. Porque, de fato, as ovelhas “não seguem um estranho” (Jo 10,5). Mas se Cristo realmente fez parte de nossa vida, como Senhor e amigo, então, quando atravessarmos “o vale tenebroso” (Sl 22), no coração da noite, seremos capazes de ouvir sua voz e de segui-lo “com segurança” em direção à plenitude da vida. Ele caminhará à nossa frente, tendo a Cruz em suas mãos da mesma forma que um pastor segura seu cajado. E então, quando ocorrer a última transumância do rebanho, poderemos cantar: “Para as águas repousantes me encaminha, e restaura as minhas forças… nenhum mal eu temerei; estais comigo com bastão e com cajado; eles me dão a segurança!” (Sl 22).

Caros irmãos e irmãs, eu sei que as ovelhas do Bom Pastor já estão cansadas de ficarem trancadas no redil: alguns de nós já perderam as contas de quantos longos dias de confinamento já se passaram! 30, 40, 50? Mas o importante é acreditar que Cristo vigia sobre nós, quer estejamos dentro no redil – em quarentena – ou pastoreando na grama fresca das proximidades – aqueles que não podem ficar em casa devido à alguma responsabilidade ou necessidade. Meus irmãos e irmãs, enquanto muitos semeiam a discórdia nos meios de comunicação, nós cristão devemos crer e testemunhar que Cristo quer ser o Pastor de todos e quer reunir a todos num único rebanho. E, com Ele, não temos mais medo, nem de maldade, nem de egoísmo, nem de vírus. Pois sabemos que no paraíso – sem dúvida alguma! – não há vírus. E lá, enfim, irradiados pelo amor de Deus, estaremos imunes a todo mal!

Amém! Aleluia!

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