HOMILIA CEIA DO SENHOR (Jo 13,1-15)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Esta celebração inaugura o Tríduo Pascal. O Tríduo não é preparação para a Páscoa; a quinta, a sexta e o sábado não são preparação para o Domingo de Páscoa, mas juntos, os três dias celebram a Páscoa do Senhor – Paixão, Morte e Ressurreição – como uma única celebração. De fato, esta festa é tão importante que ocupa três dias. Mas é importante notar que os dias litúrgicos não se contam de meia-noite a meia-noite, mas de pôr do sol a pôr do sol. O primeiro dia, portanto, abrange a noite de quinta-feira até a noite de sexta-feira, incluindo dois ritos intimamente ligados: a Missa da Ceia do Senhor e comemoração da Paixão.

O segundo dia (sábado) é ausente de ritos; não há nem mesmo a Eucaristia. E o terceiro dia estará repleto de ritos, inaugurados na mãe de todas as vigílias, a Vigília Pascal.

Neste primeiro dia do Tríduo celebramos a Páscoa ritual, como entrega sacramental do Corpo e do Sangue de Cristo, e depois a Páscoa histórica, com a morte na cruz, fora dos muros de Jerusalém. A ceia da Páscoa do Êxodo, a Última Ceia segundo Paulo e a Última Ceia segundo João, com o mandato do lava-pés, como acabemos de ouvir, são os textos do primeiro rito. O segundo rito gira em torno da Paixão segundo João, onde Cristo realiza a imagem do Servo sofredor de Isaías, com a adoração da cruz e a distribuição da comunhão, que será guardada da celebração desta noite, justamente para assinalar a prolongamento destes dois momentos rituais. Após a Ceia do Senhor a igreja não celebra a Eucaristia por quase dois dias. O rito eucarístico permanece como se estivesse suspenso e nós entramos no silêncio que acompanha a morte na cruz, a humilhação e a glorificação do Filho.

A celebração de hoje sintetiza em si todo o Mistério Pascal que celebraremos. A antífona de entrada de hoje traduz perfeitamente isso: “Nós, porém, devemos gloriar-nos na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo; nele está a salvação, nossa vida e ressurreição; por ele somos salvos e libertos” (Cf. Gl 6, 14). Cruz e salvação, morte e ressurreição, fracasso e glória se conjugam no mistério pascal de Cristo e nós, através da liturgia que celebramos, somos feitos participantes deste Mistério.

Nós entramos no mistério da Paixão de Jesus, mas não com tristeza, com sentimentalismos ridículos, pois já sabemos que nosso Senhor ressuscitou. Por isso, como S. Paulo, nós já cantamos na entrada desta liturgia, que nós nos gloriamos da cruz de nosso Senhor, pois nela está a vida e não a morte, está a glória e não o fracasso. Antecipadamente o nosso canto é de júbilo e não de tragédia.

Vamos viver estes dias animados por esta certeza em nosso coração, de que assumindo a nossa cruz, reconhecendo os nossos pecados e nossos fracassos, nós nos unimos a Cristo e com Ele recebemos vida nova, vitória, ressurreição.

****

HOMILIA PAIXÃO DO SENHOR (Jo 18,1-19,42)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Aqui estamos nós, reunidos para a celebração da Paixão do Senhor, este segundo ato ritual do primeiro dia do Tríduo Pascal. Podemos celebrar a Paixão porque, pela fé, proclamamos nesta celebração que a Cruz de Jesus, a morte do Salvador, é uma vitória. Isso é o que Isaías já havia profetizado e o que acabamos de ouvir: “o meu Servo será bem-sucedido; sua ascensão será ao mais alto grau. Assim como muitos ficaram pasmados ao vê-lo — tão desfigurado ele estava que não parecia ser um homem ou ter aspecto humano” (Is 52, 13-14).

Na sequência ritual que faremos logo a seguir, com a apresentação, procissão e adoração da cruz, nós reconheceremos que foi do lenho da cruz que nasceu a alegria do mundo inteiro: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo”, cantaremos três vezes, e a assembleia, por sua vez, responderá: “Vinde, adoremos!”, ajoelhando-se a cada invocação. É a proclamação de fé de que da cruz de Cristo brota a salvação, brota a vida nova.

Isso, meus amados irmãos, é um convite para todos nós: reconhecendo na cruz de Cristo a fonte de nossa salvação, reconhecemos também que a nossa própria cruz pode ser fonte de vida, de recomeço, de salvação, se a acolhermos com fé, se a abraçarmos com coragem. O gesto que faremos de nos levantarmos e caminhar até a cruz, nos inclinarmos e beijar a cruz não pode ser apenas um ritual que aprendemos de nossos pais ou avós. Será para nós a expressão daquilo que realizamos interiormente em nós, do nosso desejo e da nossa decisão em irmos ao encontro da cruz de Cristo e da nossa própria cruz, adorá-la, beijá-la. Este beijo não é sobre um objeto inanimado de madeira… mas representa a nossa certeza de que na morte de Jesus existe vida. Com nosso gesto, proclamamos ao mesmo tempo que todas a cruzes, todo os sofrimentos do mundo, por mais absurdos que sejam, encontram na cruz de Cristo o seu sentido. “Vinde adoremos!”, convoca a Igreja o mundo através de nossos lábios. Vamos dar voz a todos aqueles que hoje sofrem, que, talvez, não consigam mais acreditar, esperar, amar. Sejamos aqueles que em seu nome, nos deixamos abraçar pelos braços abertos de Cristo na cruz, que abraça todo o sofrimento, todo pecado, toda a morte do mundo, dando-lhes sentido e vida verdadeira.

****

HOMILIA DA VIGÍLIA PASCAL

Dom Paulo DOMICIANO, OSB

As leituras que ouvimos nesta noite de vigília retraçam para nós o longo percurso de busca do ser humano para se encontrar com o seu Criador, para se reconciliar com Deus, consigo mesmo e com seus irmãos. Contudo, como ouvimos, esta busca só é possível porque, antes de tudo, Deus mesmo veio à nossa procura, como o “Bom pastor”, fazendo ecoar por toda história este grito pleno de amor e misericórdia: “Onde estás?”. Essa longa busca culmina na busca das mulheres que vão túmulo na madrugada do domingo. Elas buscam o Senhor que foi crucificado e colocado no túmulo. Mas o que elas finalmente encontram é um túmulo vazio.

Aparentemente a busca, que o ser humano iniciou na aurora da criação, termina de modo frustrado, pois o túmulo está vazio, “Ele não está aqui”, diz o anjo. Mas não… Finalmente o ser humano pode encontrar aquilo que tanto desejava: a vida. O túmulo estava vazio de morte, mas cheio de vida!

Queridos irmãs e irmãs, nesta noite santíssima, ouçamos isto que o anjo, sentado dentro do túmulo de Jesus, diz às santas mulheres: “Não vos assusteis! Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui” (Mc 16,6). Este anúncio é o núcleo de nossa fé cristã, o coração daquilo que somos chamados a viver.

Como estas mulheres, nós também buscamos o crucificado, abraçamos a sua cruz, a adoramos, desejando morrer para o nosso pecado – este pecado que o nosso Redentor carregou sobre o madeiro até a morte – para vivermos só para Deus. A condição para fazermos a experiência do túmulo vazio, como as santas mulheres, e ouvir o feliz anúncio da ressurreição, é buscá-lo crucificado em nossa vida.

Jesus desperta da morte nesta noite. E tudo na liturgia de hoje fala desse despertar, desse renascer. O fogo, que acendemos no meio da escuridão e que dissipou as treveas; a Palavra, que no princípio criou tudo e que ressoa hoje para nós, nos recriando e regenerando; a água, de onde brotou a vida, no princípio, e que purificou a humanidade no dilúvio, será abençoada para nos renovar como filhos de Deus; finalmente, o pão e o vinho que nos foram entregues por Cristo na Última ceia, para nós se tornarão pão da vida e cálice da salvação novamente. Tudo nos convida, meus irmãos, a também nós nos deixarmos despertar. “Desperta, tu que dormes – nos diz S. Paulo – levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá.” (Ef 5, 14).

Aquele que desperta, que ressuscita com Cristo, pelo Batismo, é transformado em testemunha. Às mulheres no sepulcro e a nós, batizados, o anjo anuncia: “Ide, dizei a seus discípulos”. Dizer que Cristo Ressuscitou!; que Ele vive para sempre!

Assim, como chamas acesas, nós nos tornamos, nós mesmos, luz para o mundo. Com nossas velas na mão, mas com a chama no coração, sejamos testemunhas dessa luz com esperança renovada. Façamos isso com todos os nossos irmãos e irmãs que foram ou serão batizados nesta noite e assumamos nosso compromisso de viver nosso batismo como uma promessa de vida.

Somos enviados como as santas mulheres, como os Apóstolos, para ir e anunciar: Ele verdadeiramente RESSUSCITOU e sua palavra está mais viva do que nunca. A morte foi vencida; a vida triunfou. Amém. Aleluia.

****

HOMILIA DO DOMINGO DA PÁSCOA (Jo 20, 1-9)

Dom Paulo DOMICIANO, OSB

Esta manhã, com Maria Madalena, Pedro e o outro discípulo, corremos para o túmulo onde Jesus foi colocado. Essa “pressa” que percebemos no Evangelho nos revela que não há nada mais urgente, mais importante que a Páscoa. E o que era o lugar da morte tornou-se o lugar da vida, porque o túmulo está vazio. Não que tivesse sido esvaziado, como Maria Madalena pensou. Ao ver as faixas de linho e a lençol enrolado separadamente dentro do túmulo, Pedro entendeu que, de acordo com as Escrituras, Jesus tinha que ressuscitar dos mortos. “Ele viu, e acreditou”.

Aquele que parecia ter sido tragado pela morte e pelo mal agora está de pé e vivo para todo o sempre. O que o túmulo vazio nos diz nesta manhã de Páscoa é o que o Apocalipse dirá de outra forma, quando Aquele que foi visto por João disser: “Não tenhas medo. Eu sou o primeiro e o último, aquele que vive.  Estive morto, mas agora estou vivo para sempre. Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos (Ap 1, 17-18). 

Não tenhamos medo, mesmo que às vezes o mal e a violência ainda pareçam prevalecer ao nosso redor, mas celebremos a festa com pureza e verdade, como cantaremos na antífona de comunhão, levantados da morte com Cristo e por Cristo depois de termos participado de sua morte no batismo, para que possamos ter acesso a uma nova vida.

E, como nos diz os Atos dos Apóstolos, Jesus ressuscitado se fez ver, se deu a conhecer às suas testemunhas, aqueles que ele havia escolhido. E assim, de testemunha em testemunha, ao longo dos séculos, a chama do testemunho, a nova luz da ressurreição, chegou até nós hoje, para que, por nossa vez, possamos acolhê-la e passá-la adiante. E se acreditarmos, confiando no testemunho dos Apóstolos, o Cristo ressuscitado também poderá ser reconhecido por nós. E seus caminhos são muitos. Ele se dá a conhecer no partir do pão, quando celebramos juntos, como fazemos nesta manhã. Ele se faz conhecido no partir do pão, quando nos convida a compartilhar para que ninguém passe fome ou sede até os confins da terra.

Como fez com Tomé, ele nos dá suas mãos, seus pés e seu lado para tocarmos em seus membros. E seus membros são os pobres, os estrangeiros, os refugiados, as vítimas da guerra e os humilhados. Reconhecê-lo dessa forma é sempre escolher a vida. Ele se dá a conhecer nas Escrituras proclamadas na Igreja, quando as ouvimos e tentamos discernir a vontade de Deus para nossa vida.

Queridos irmãos e irmãs, diante do túmulo vazio não temos respostas, mas perguntas. O túmulo vazio não é uma resposta, mas uma pergunta sobre a ressurreição de cada um de nós. Diante da fonte de Vida nova que Cristo abre com a Ressurreição, cada um de nós precisa fazer uma escolha; deixemos que Ele nos encontre, nos transforme, faça de nós homens e mulheres novos e faça de nós suas testemunhas. E que possamos, como Maria Madalena e os Apóstolos, correr e anunciar: vimos o Senhor! Ele está vivo!

Categories: Homilias