TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR (Mt 17,1-9)
Este ano temos a graça de pode celebrar a festa da Transfiguração do Senhor no domingo, uma festa particularmente importante para a nossa comunidade, não somente porque é a nossa festa patronal, mas também por ser um modelo inspirador para toda a vida monástica. De fato, o monge, como os três discípulos que sobem o monte com Jesus, é chamado a contemplar a face de Cristo e ouvir a sua voz mais de perto. Além disso, ao escolher Pedro, Tiago e João entre os doze para fazerem esta experiência particular, Jesus nos revela o mistério da vocação à vida consagrada como puro dom da gratuidade divina.
| Esta relação entre a Transfiguração e a vida consagrada é belamente evocada por São João Paulo II em sua Exortação Apostólica Vita Consecrata, onde ele nos lembra que pela profissão religiosa, o consagrado é chamado a viver uma existência “cristiforme”, ser a imagem de Cristo, de modo mais radical e profundo, não por ser melhor que os demais batizados, também chamados a configurar sua vida a Cristo, mas por puro dom e graça de Deus. Para isso, exorta o papa, “revela-se particularmente útil fixar o olhar no rosto resplandecente de Cristo, no mistério da Transfiguração. A este ‘ícone’ faz referência toda a tradição espiritual antiga, quando relaciona a vida contemplativa com a oração de Jesus ‘no monte’”(n.14). |
Para compreender o que se passa sobre o Tabor é preciso lembra o episódio que o antecede no Evangelho: Jesus anuncia a sua Paixão e Ressurreição. Os discípulos ficam abalados com este anúncio, chegam até mesmo a rejeitá-lo. Sob este ponto de vista podemos compreender a Transfiguração em seu aspecto pedagógico, ou seja, Jesus leva os três discípulos para confirmá-los na fé, para que, contemplando a sua face luminosa, tenham a esperança renovada, e compreendam que a cruz não será o fim, mas a passagem necessária para a vitória da ressurreição.
Mas a Transfiguração não tem somente o objetivo de dar uma lição aos discípulos. Eles não assistem somente a um espetáculo misterioso. Eles mergulhados na nuvem, sinal da presença do Espírito, e têm seus olhos e seus ouvidos abertos: eles contemplam a face luminosa de Cristo, são atingidos por esta luz que tudo transforma; seus ouvidos ouvem a voz do Pai, o chamado que dá vida. Assim, no Tabor, não é somente Jesus que é transfigurado, mas os três discípulos ali presente também são transformados.
Celebrando este mistério da vida de Cristo, nós também somos convidados a subir a alta montanha – e a cada vez que vamos à igreja para celebrar a liturgia estamos subindo o Tabor – para contemplar a face luminosa de Cristo e ouvir a sua voz, como nos pede o próprio Pai. Assim como os discípulos, que não podiam aceitar o anúncio da paixão e da cruz, nós também temos nossas próprias convicções sobre a vida, sobre Deus, sobre os outros… e nos é difícil abandonar estas posições, que nos dão a sensação de segurança e, muitas vezes, a ilusão de que temos a razão em tudo. Mas é preciso permitir que a luz de Cristo nos transforme, faça cair de nossos olhos as escamas que nos impedem de ver como Deus vê. É preciso permitir que o chamado do Pai destampe nossos ouvidos surdos à sua Palavra de vida, para escutar também as opiniões diferentes das minhas, para que possamos realmente ouvir, acolher e discernir a vontade de Deus.
Para contemplar a face de Cristo e ouvir voz do Pai, os discípulos, junto com Jesus, têm que “subir” a alta montanha. Isso implica deixar para trás o que é supérfluo, aquilo que pesa desnecessariamente, o que nos impede de subir. Para assumirmos esta vocação de “alpinistas” sabemos bem que não podemos insistir em continuar querendo carregar tudo o que é aqui debaixo conosco. É preciso abandonar o que é mundano, o que é rasteiro, para que estejamos mais leves e dispostos para esta escalada. Como ouvimos há alguns domingos, Jesus nos convidava: “Vinde a mim, todos vós, que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt11, 29). Sim, para receber a graça da transfiguração, ter os olhos abertos e os ouvidos despertos, é indispensável aceitar o despojamento: das coisas, mas também das mágoas, das memórias negativas, das ideias fixas, dos preconceitos, das convicções mundanas e egoístas que nos prendem e nos impedem de ser livres e felizes.
Peçamos ao Senhor a coragem de nos despojarmos para segui-lo nesta subida do monte e a docilidade à sua voz, para que nossos olhos e nosso coração se abram para receber do Espírito a vida nova, a luz nova da Transfiguração, a luz que não se apaga.
