HOMILIA ASSUNÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA (Lc 1,39-56)

D.Paulo Domiciano, osb.

Neste dia da Assunção nós celebramos a Virgem Maria, que é chamada pelo Pai para junto de seu Filho nos céus, em corpo e alma, ao final de sua vida terrestre. Ao contrário do que acontecerá conosco quando morrermos, Maria subiu ao céu com seu corpo, sem precisar esperar pelo final dos tempos para experimentar os efeitos da ressurreição de Cristo. Apesar desse privilégio ter sido concedido exclusivamente à Maria, a festa que hoje celebramos nos diz respeito diretamente, conforme a oração da coleta da liturgia de hoje, que diz: “Deus eterno e todo-poderoso, que elevastes à glória do céu, em corpo e alma, a imaculada virgem Maria, mãe do vosso filho, dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória.”

O caráter mais específico do cristianismo é justamente este olhar para as coisas do alto, sem, contudo, desconsiderar o mundo presente; esta esperança que brota da ressurreição de nosso Senhor, a certeza de que a morte ou o transitório não é a última palavra em relação aos anseios dos homens e de toda a criação. E isso por uma razão muito simples, anunciada por Paulo na segunda leitura: “Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram!” (1Cor 15,20); Ele abriu para nós o caminho que nos conduz à Casa do Pai, onde prepara para nós um lugar e lá nos espera. No entanto, temos de reconhecer que travamos um verdadeiro combate para aderir a esta realidade. Professamos a fé na vida eterna após a nossa morte e dizemos que a desejamos, mas tantas vezes verificamos que nossas atitudes, nossos desejos e nossas preocupações de cada dia convergem justamente na direção oposta; nos dedicamos com maior empenho às coisas aqui de baixo, nos contentando com aquilo que é raso, banal e opaco.

Contemplando e celebrando o mistério de Deus operado na vida de Maria Assunta ao céu, nós somos convidados a reorientar nosso olhar para as coisas do alto, para a promessa de Deus, concretizada em Jesus Cristo morto-ressuscitado-glorificado. É um impulso para “recalcular a rota”, caso nos tenhamos perdido do caminho, em direção ao alto. Assim, o Pai nos apresenta Maria como a Stella Maris, aquela estrela que direciona os que estão perdidos e fatigados em meio aos mares agitados e tenebrosos deste mundo. É justamente isso que canta a antífona de entrada da missa de hoje, tirada do Apocalipse, que ouvimos na primeira leitura: “Então apareceu no céu um grande sinal: uma Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12,1).

“Tanto para o Oriente como para o Ocidente cristão – além das diferentes formulações – a Dormição ou Assunção de Maria é um sinal das ‘realidades últimas’, daquilo que deve acontecer num futuro não tanto de cronologia, mas de “sentido”, um sinal da plenitude à qual nossos limites anseiam: nela intuímos a glorificação que espera todo o cosmos no final dos tempos, quando “Deus será tudo em todos” (1 Cor 12,28) e em tudo. Ela é a porção da humanidade que já foi redimida, uma figura daquela “terra prometida” à qual somos chamados, uma porção de terra transplantada no céu. Um hino da Igreja Ortodoxa Sérvia canta Maria como “terra do céu”, terra, adamah da qual nós, como ela, fomos tirados (cf. Gn 2,7), mas terra redimida, crística, transfigurada, graças às energias do Espírito Santo; terra agora em Deus para sempre, antecipação de nosso destino comum” (Enzo Bianchi).

Contemplamos Maria assunta ao céu como um farol que nos sinaliza onde está nosso porto desejado; um porto que está no alto! A manobra fundamental que devemos empreender para redirecionar nossa rota em direção a este porto alcançado e agora sinalizado por Maria é por ela indicada no Magnificat: o Senhor “exaltou os humildes”. Maria canta isso pensando certamente no mistério da encarnação: ela, que era humilde e pobre, é elevada à dignidade de Mãe de Deus. Este mesmo louvor pode ser aplicado também a este momento de sua subida ao céu em corpo e alma, pois ela recebe esta graça justamente por ser a Mãe imaculada de Cristo, sem nenhum mérito, mas somente a sua pobreza, a sua humildade. É a festa da imensa bondade e da infinita generosidade de Deus para com seus filhos; bondade manifestada em Maria.

Portanto, a humildade, tão fundamental para o caminho monástico de São Bento, é a condição para sermos exaltados, para subirmos, como Maria, ao encontro das coisas do alto. Por um lado, é a humildade que nos permite buscar as coisas do alto, pois sem ela continuamos achando que “as nossas coisas” são sempre mais importantes; de outro lado, é também a humildade que nos permite deixar-nos levar, conduzir, elevar pelo Senhor, pois não são nossas asas de cera que nos levam ao céu, como Ícaros, que insistimos ser, mas são as mãos amorosas de nosso Pai que nos tomam e nos exaltam. É o Senhor quem exalta aquele que se deixa conduzir, aquele que é suficientemente humilde e dócil.

Que a Mãe de Deus, hoje elevada aos céus, “aurora e esplendor da Igreja triunfante”, seja para nós esta estrela guia, seja, como cantaremos no Prefácio de hoje, “consolo e esperança para o povo ainda em caminho”. Que nosso coração se anime e se rejubile com a festa de hoje para seguirmos com novo ardor a nossa missão de transformar este mundo sem perder de vista as coisas do alto.

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