HOMILIA PARA A MISSA DA CEIA DO SENHOR (Jo 13,1-15)

“Antes da festa da Páscoa, Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.

A “hora” de Jesus, tantas vezes anunciada depois das Bodas de Caná (Jo 2,4; 7,30; 8,20; 16,21.32; 17,1; 12,23-27), enfim chegou; a hora fixada pelo Pai para a glorificação daquele que Ele enviou. É a Páscoa do Cordeiro de Deus, a sua passagem deste mundo para o Pai. Ele amou os seus até o fim, ou até a consumação, pois esta notação do evangelista é iluminada pelas últimas palavras de Jesus na cruz: Tudo está consumido – cumprido (Jo 19,30). Jesus amou os seus até ao cumprimento das Escrituras, até a conclusão da obra que lhe foi confiada pelo Pai, para a qual ele foi enviado, e até a realização do mais ardente desejo de seu coração.

Até o fim: trata-se, acima de tudo, de uma realização qualitativa. Jesus vai dar o máximo do seu amor, pois, como Ele disse, “não há maior amor do que dar a vida pelos próprios amigos” (Jo 15,13). Jesus viverá a sua paixão livremente, como uma subida para o Pai através da cruz, impulsionado por esse amor único pelo Pai e pelos seus. A nossa liturgia desta noite e todo o Tríduo da Páscoa é dominada e guiada por esta declaração. O Senhor dá hoje à sua Igreja e a cada um de nós, o testemunho supremo do seu amor.

Visto que estamos celebrando a instituição da Eucaristia e o sacerdócio ministerial, nós esperaríamos aqui o relato da Ceia Eucarística, com as palavras de bênção sobre o pão e vinho. Mas não: no seu estilo lento, detalhado e litúrgico, João nos descreve o lava-pés. Jesus levanta-se da mesa, tira o seu manto, e pega uma toalha que amarra à volta da cintura; depois derrama água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e enxugá-los com a toalha que tinha à volta da cintura. A lavagem dos pés não é aqui um gesto trivial. A expressão “lavar os pés” ocorre sete vezes no relato e mais duas indiretamente, ou seja, nove vezes! De fato, Jesus “encena” a sua Paixão através dos gestos, tal como os antigos profetas, em particular Jeremias, que comunicavam a sua mensagem através de ações simbólicas. O Mestre realiza uma tarefa de escravo, se ajoelhando diante de cada um dos doze, lhes testemunhando a sua afeição, como irá se abaixar por amor a todos, se fazendo obediente até a morte em uma cruz.

O diálogo com Pedro nos dá uma primeira explicação do gesto. Pedro fica chocado por ver o Mestre, o Messias, ajoelhado diante dele, e nós o compreendemos!  “Senhor, tu me lavas os pés?” – “Agora, não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás” (quer dizer, depois da Páscoa) – “Tu nunca me lavarás os pés!” Então Jesus vai mais longe: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo”. O discípulo deve ser purificado por Jesus, precisamente pelo completo abaixamento, pela completa humilhação de Jesus na sua Paixão, que se entrega em um amor salvador. Pedro muda, ele aceita o seu testemunho de amor, um amor que quer comunicar a si próprio. “Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça”. Mas Jesus não tinha em vista uma lavagem material. O seu gesto é o símbolo de uma purificação espiritual. Ele está pensando no batismo, porque, como nos diz São Paulo: “Nós todos, que fomos batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados” (Rm 6,3).

Uma segunda explicação sobre o lava-pés é dada no final do relato: ““Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz”. Os discípulos não devem procurar ser servidos, uma vez que o seu Mestre se fez ele mesmo o seu servidor. Eles deverão, portanto, seguir o seu exemplo lavando os pés uns dos outros, mas acima de tudo, cada um, do menos ao maior, deverá dar até mesmo a sua própria vida pelos seus irmãos, como o bom Pastor pelas suas ovelhas. “É assim que conhecemos o Amor: Ele deu sua vida por nós. Também nós devemos dar nossa vida pelos irmãos” (1Jo 3,16).

Todos os anos, meus irmãos e irmãs, a liturgia nos convida a renovar este gesto realizado por Jesus. É uma parábola em ação. A parábola em ato da Eucaristia, a parábola em ato do amor que vai até o fim. Isso nos recorda que a caridade e o serviço devem ter um lugar central na nossa celebração do mistério pascal. É pela nossa caridade fraterna que testemunhamos, em verdade, isto que nós celebramos nestes dias santos, e em cada Eucaristia.

Mas este rito não é apenas uma lição de caridade e humildade, é um sinal sacramental. Ao realizar este gesto, que o Senhor realizou primeiro, nos é concedida a sua graça. A graça da caridade de Cristo derramada sobre todos aqueles que tomam parte neste mistério do novo mandamento. Todos nós teremos uma maior participação nesta ternura divina que nos é revelada nesta noite da Última Ceia. Aqui nos reconhecemos sendo chamados de “meus filhinhos” (Jo 13,33), “meus amigos” (Jo 15,13.15).

Deixemo-nos, portanto, introduzir neste mistério de amor ao qual o Senhor convida a cada um de nós.

No rito bizantino, na divina Liturgia de São João Crisóstomo, os fiéis antes de comungar recitam uma oração que pode muito bem traduzir nossa reverência diante deste mistério de Amor, que Cristo nos oferece nesta noite:

Da Tua Ceia Mística, aceita-me hoje como participante, ó Filho de Deus; pois não revelarei o Teu Mistério aos Teus inimigos, nem Te darei o beijo como Judas, mas como o ladrão me confesso: lembra-Te de mim, Senhor, no Teu Reino, Que não seja para meu juízo ou condenação, a recepção de Teus Santos Mistérios, Senhor, mas para a cura do corpo e da alma. Amém!

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