HOMILIA DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS (Mt 6,1-6.16-18)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Deus na primeira leitura com a mediação do profeta Joel nos diz: «voltai para mim com todo o vosso coração». Sabemos por experiência própria que nosso coração parece estar dividido entre mil coisas, entre mil preocupações, reais ou imaginárias, urgentes ou secundárias, e isso nos deixa inquietos, cansados, doentes, fazendo com que fiquemos alienados de Deus, de nós mesmos e de nossos irmãos.

O convite de Deus é para que reorientemos o nosso coração, inteiro, para Ele. Quando fazemos de Deus o centro de nosso coração, ou seja, de nosso desejo, de nossa intenção, então tudo assume o seu devido lugar, e toda essa divisão encontra Nele o seu sentido, a sua unidade.

Contudo, mais adiante, o profeta diz: “rasgai o coração”. Ora, isso parece contraditório. O Senhor diz que devemos juntar os pedações de nosso coração e agora diz que temos que rasgá-lo? Sim, é preciso rasgar o coração, ou melhor, rasgar aquilo que não lhe pertence, os entulhos que permitimos que se depositem dentro de nosso coração, que se tornam obstáculo, que ocupam espaço desnecessário dentro de nós. Tudo isso precisa ser rasgado. Os instrumentos que temos para realizar este trabalho nos são oferecidos pelo Evangelho que ouvimos: o jejum, a caridade e a oração. Através desses três movimentos, que englobam todo nosso ser, interior e exteriormente, podemos fazer crescer dentro de nós, de modo concreto, o espaço necessário para a ação de Deus em nós.

É esse o nosso trabalho de conversão da quaresma: tempo de juntar os pedaços de nosso ser e orientá-los para Deus, ao mesmo tempo que identificamos aquilo que precisa ser posto para fora, rasgado, queimado.

A “quarta-feira de cinzas” abre para nós o Tempo da quaresma, este tempo propício para fazermos essa “faxina” geral de nosso coração. Mas é importante observarmos que o centro desta liturgia não é propriamente o rito da bênção e imposição das cinzas que vamos receber. O centro da liturgia é este apelo feito pelo Senhor que acabamos de ouvir na Palavra proclamada. “Voltai para mim com todo o vosso coração”. 

O rito que realizaremos é a resposta que damos ao convite à conversão que o Senhor nos faz hoje. Diante do seu apelo, reconhecemos nossa incapacidade, nossa condição limitada de criaturas e de pecadores, que o sinal das cinzas evoca: “lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar” (Gn 3,19), assim nos lembra a segunda fórmula de imposição das cinzas. Reconhecer-se como pó é um chamado à humildade, admitindo nossa condição frágil e limitada. Outro significado das cinzas está do fato de que não são qualquer pó, mas o resultado dos ramos do Domingo de Ramos do ano anterior que foram queimamos, nos apontando a direção de nosso caminho de conversão que culmina na Semana Santa, para a Ressurreição do Senhor. Unido a este aspecto pascal, temos a água que usamos para abençoar as cinzas, que nos remete à dimensão batismal da Quaresma. As cinzas sujas falam de destruição e morte, nos recordam nossa fraqueza e nosso pecado, mas a água limpa faz reviver, dá vida e é uma fonte inesgotável dela, nos recordando que somos chamados a elevar a nossa humanidade mediante a incorporação ao Ressuscitado, o Senhor da Vida.

A ato de nos aproximarmos para receber as cinzas evidenciam a nossa resposta, o nosso comprometimento diante de Deus e diante dos irmãos de que aceitamos iniciar este caminho de conversão. Esta caminhada, simboliza o nosso próprio itinerário penitencial. Assim, a nossa procissão, acompanhada pelo canto, constitui um “ato de fé”, e a imposição das cinzas, acompanhada pelas palavras pronunciadas pelo ministro – “Convertei-vos e crede no Evangelho” – resumem ritualmente todo o itinerário de conversão quaresmal.

De fato, é urgente que nos deixemos conduzir por este caminho de conversão, como o profeta Joel e S.Paulo nos exortam. Que nos deixemos guiar pelo Espírito Santo, como Jesus, que foi conduzido ao deserto, para que nossa relação com Deus, com o próximo e conosco mesmos seja evangelizada e transformada. Que nossas práticas quaresmais se conversam em atos concretos de atenção para com o próximo e não apenas artigos de luxo que colecionamos para nos sentirmos melhor conosco mesmos. A Mãe de Deus caminha conosco nesta estrada de conversão e intercede por nós. 

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