Homilia para o Domingo da Ascensão do Senhor,
proferida a 24 de maio de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

At 1,1-11; Sl 46; Ef 1,17-23; Mt 28,16-20

Saudação inicial

Caros irmãos e irmãs, a Solenidade da Ascensão do Senhor atualiza para nós, hoje e neste lugar, este evento único que marca o fim dos quarenta dias de aparições do Ressuscitado e seu retorno ao céu. Assim como os apóstolos, estamos reunidos em torno de Jesus e entramos em uma nova modalidade de sua presença divina: ao desaparecer aos olhos dos apóstolos, Jesus os conduziu a um conhecimento mais profundo das realidades divinas. Portanto, que também conosco aconteça conforme o desejo do Apóstolo Paulo que ouviremos hoje na segunda leitura:

Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá”.

(Ef 1,18)

Homilia

Caros irmãos e irmãs

A Solenidade da Ascensão do Senhor nos chama a aprofundar em nós esse vínculo com Jesus, doravante ausente aos nossos olhos, mas tão presente em nossos corações. Mas, não podemos nos acostumar com essa ausência física; caso contrário, corremos o risco de reduzir a fé a simples regras morais, ou a uma mera filosofia. Como diz o apóstolo Pedro:

Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação”.

(1Pe 1,8-9)

A partida de Jesus desta terra não é um ponto final. É uma etapa no caminho espiritual dos Apóstolos, e também em nosso próprio caminho, para entrarmos na esperança, pois algo está por vir. Jesus preparou os apóstolos para sua partida dizendo-lhes que era bom que ele partisse (Jo 16,7), porque, a partir de agora, eles próprios poderiam dar muito fruto.

Em verdade, em verdade, eu vos digo: quem crê em mim fará as obras que eu faço e fará ainda maiores, porque vou para junto do Pai”.

(Jo 14,12)

Assim, sua Ascensão inaugura a expansão missionária do Evangelho. Os Apóstolos são chamados a tornarem-se peregrinos, a testemunhar Cristo “até os confins da terra” (At 1,8). Agora, céu e terra se unem num único movimento de abertura a Cristo: o céu acolhe seu corpo glorioso; a terra deixa-se encher por seu Espírito que renova toda a criação.

Portanto, Cristo não nos deixa órfãos. Ele compartilha conosco essa força do alto, que destrói a morte e nos dá a vida. É por meio dela e nela que ele pode dizer: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20). Se Cristo subiu aos céus, é para vir de uma nova maneira à terra: não mais dentro dos limites espaciais e temporais impostos à carne humana, mas na plenitude do Espírito que o universo inteiro encheu ontem, hoje e sempre. Assim concluímos que a Ascensão de Cristo aos céus não é um distanciamento, mas uma vinda. Sim, Cristo está vindo. E agora, aquilo que os instintos humanos não podem alcançar, o Espírito tem acesso. Cristo vem a cada um de nós pessoalmente. Aqui e agora, Ele vem ao nosso encontro.

Ele vem na Eucaristia, onde seu corpo e seu sangue se unem sacramentalmente à nossa própria humanidade, como primícias da glorificação que há de vir. E – especialmente para quem está em casa impossibilitado de participar deste Sacramento – Ele vem em sua Palavra que é “viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4,12). Ele vem no irmão que devo amar, apoiar, perdoar, pois o que fazemos ao menor de nossos irmãos é a Cristo que fazemos (cf. Mt 25,40).

Celebrar a Ascensão do Senhor é celebrar em nossa existência essa passagem para a estatura do Homem Perfeito (Ef 4,13), onde não mais vivemos para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós (cf. 2Cor 5,15). Ele se torna a Cabeça e nós, o seu Corpo – que chamamos de “Igreja” – e participamos, assim, da totalidade do Cristo, aquele a quem Deus cumula com sua própria plenitude (Ef 1,23).

Contemplar o Cristo elevar-se em glória é também entrar na esperança de nossa própria glorificação Nele. Ele é o primeiro e nos leva todos atrás de si. Portanto, nossa caminhada nesta terra não é uma inevitável descida ao túmulo, mas sim uma ascensão à felicidade eterna. É a partir desse fim luminoso, lá nos céus, que toda a nossa vida, aqui na terra, assume um significado. Como diz São Paulo:

Nós somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor, Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas”.

(Fl 3,20)

Que promessa admirável, e que alegria para nós, se essa fé se encarnar em nossas vidas todos os dias! Um dia, enfim, nós veremos Deus! E isso é certo, pois como diz São João: “Sabemos que, quando se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos como ele é” (1Jo 3,2). Com todo o nosso ser, poderemos amar e nos sentir amados entrando inteiramente na Plenitude de Deus (cf. Ef 3,19).

E, para chegar lá, resta-nos viver aqui na terra buscando as coisas do alto, pois nossa vida “está escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-3). Cabe a nós dar a cada dia passos de elevação para a nossa salvação. “Mesmo que o homem exterior seja destruído, o interior é renovado cada dia”, diz São Paulo (2Cor 4,16). “O mundo passa, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”, diz São João (1Jo 2,17).

Por meio da conversão diária, por meio das obras de justiça, de paz, de misericórdia, de caridade, em nossos compromissos profissionais, sociais, familiares, políticos, religiosos, no bom combate da fé, da pureza, da retidão, por meio de tudo isso temos reais oportunidades de nos encaminharmos para o Reino dos céus (cf. Mt 5,1-12). Nossa alma se elevará interiormente dia após dia e poderemos experimentar o quanto a vida eterna já pode começar aqui na terra. Algo de nós, a parte mais profunda do nosso ser, a parte eterna de nós mesmos já está inscrita em Cristo e como que “assentada com Ele” nos céus. A própria Escritura nos confirma isso quando diz que:

Deus, que é rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou (…), nos ressuscitou com Cristo e nos fez sentar nos céus em virtude de nossa união com Jesus Cristo”.

(Ef 2,4.6)

É essa esperança que dá à Igreja, Corpo de Cristo, a alegria de celebrar há 2000 mil anos a Ascensão ao céu d’Aquele que é sua Cabeça. Que a esperança do corpo de alcançar a cabeça reavive nossa fé e alimente nossa caridade. Vivamos no amor e dele nos aproximaremos porque Deus é amor (1Jo 4,8). Caminhemos na luz e o encontraremos porque Deus é luz (1Jo 1,5). Ouçamos o Espírito Santo e chegaremos a ele porque Deus é Espírito (Jo 4,24).

Amém! Aleluia!

Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco
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