HOMILIA PAIXÃO DO SENHOR (Jo 18,1-19,42)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

A Igreja na Sexta-feira Santa não está de luto, não estamos “velando” Jesus, mas celebramos a sua vitoriosa Paixão. Não podemos compreender este dia como simples recordação da morte de Jesus sem referência à sua ressurreição. Agora o Cristo ressuscitado não morre mais e se nós celebramos hoje a sua paixão e morte é porque sabemos que Ele venceu a morte por sua cruz.

Vivemos este dia com gravidade, com certa tristeza. É, sobretudo, a tristeza que o pecado inspira diante do amor incondicional de Jesus por nós, que nos amou até o fim. É a tristeza da compunção e da penitência, pois foram nossos pecados que causaram a morte de nosso Senhor. É esta a lição que Ele dá às mulheres no caminho do Gólgota: “Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos” (Lc 23,28); os filhos da Igreja aqui embaixo não devem chorar tanto por Ele, mas por si próprios, pelos seus pecados.

Esta compunção é dominada pela certeza pacífica da vitória divina. Nas aclamações, nas antífonas, nos cânticos, na solenidade sóbria das leituras da liturgia de hoje, já podemos ouvir as primeiras notas de um canto triunfal. Amanhã, na noite da ressurreição, a Igreja celebrará a vitória da vida sobre a morte. Hoje, ela ainda se contém diante do mistério da morte dolorosa da qual nasceu a vida. Pois foi na própria cruz que Cristo obteve a vitória sobre nossos dois maiores inimigos: o pecado e a morte. Ao levar seu amor pela humanidade e pelo Pai até às últimas consequências, até o fim, na morte na cruz, Ele derrubou o muro do pecado que separava a humanidade de Deus. Hoje a Igreja celebra esta vitória ainda escondida na aparente derrota da crucificação; mas amanhã ela cantará com uma alegria sem misturas o ato divino que revelou e promulgou a vitória redentora do Calvário, estendendo seu benefício a todos os tempos e ao mundo inteiro (Hb 2,9-10).

Finalmente, a Sexta-feira Santa não é um dia triste. A paixão dolorosa, a paixão que nos salva, foi a fonte de felicidade para aqueles que acreditam.

“Na apresentação, procissão e adoração da cruz [que faremos em instantes] somos convidados a ver que foi do lenho da cruz que nasceu a alegria do mundo inteiro: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo”. Canta-se por três vezes e a assembleia, por três vezes, responde: “Vinde, adoremos!”. O ajoelhar-se em cada invocação revela a nossa admiração diante do mistério salvífico” (fr. Luiz Felipe). A seguir nos aproximaremos para adorar, beijando a santa cruz. Este beijo não é sobre um objeto inanimado de madeira… mas representa a nossa certeza de que na morte de Jesus existe vida. “A cruz é a árvore da vida que floresce em todos os tempos” (card. Tolentino). Nela vemos a manifestação do amor que ama até o fim e nos dá a vida. “É o amor que não mede esforços para nos salvar. É o amor que não desiste de nós, mesmo quando nos afastamos dele. É o amor que nos acolhe sempre de braços abertos, independentemente de nossas fraquezas e falhas” (card. Tolentino). Irmãos e irmãs, vamos nos deixar abraças pelos braços da cruz, permitindo que o sofrimento de Cristo, que triunfa sobre a morte, dê sentido ao nosso sofrimento e de toda a humanidade. Que abraçando a sua cruz, nós recebamos também força, unção, ânimo para carregar a nossa própria cruz e encontrar nela a alegria de uma vida plena e abundante.

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