Homilia para o 7º Domingo do Tempo Comum,
proferida a 23 de fevereiro de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

Eclo 15,16-21; Sl 118; 1Cor 2,6-10; Mt 5,17-37

Caros irmãos e irmãs

O Amor ao próximo não é uma novidade do Evangelho: o Antigo Testamento já convidava a isso de uma maneira muito clara, como ouvimos hoje na primeira leitura. E muitas outras religiões ou sabedorias humanas já preconizavam este preceito.

Mas Jesus nos chama a ir muito além daquilo que parece razoável: como amar até àqueles que querem o mal para nós? E Jesus pede algo mais louco ainda: como ousar quere ser perfeito como o próprio Deus? Tentemos seguir a pedagogia da Palavra de Deus.

No livro do Levítico (1ª leitura), o Senhor se dirige ao povo que ele escolheu, e lhe dá um mandamento de amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. O que é surpreendente neste mandamento do amor, é que não se trata de um preceito exterior: não basta excluir o ato de vingança, mas é preciso, além disso, excluir todo pensamento de ódio contra seu irmão, todo rancor, mesmo que seja unicamente no coração. E não podemos dizer que amamos contentando-nos em fechar os olhos para não ver nada! Se somos testemunhas do pecado de algum irmão, temos o dever de intervir, caso contrário nós mesmos caímos em pecado.

Estes mandamentos estão em perspectiva com um fim último, muito mais profundo que meros conselhos moralistas: este fim, é a restauração em nós da imagem de Deus, é o retorno a essa semelhança original que havia na criação do homem e da mulher: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 2,9), porque “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou: homem e mulher os criou” (Gn 1,27).

Poderíamos pensar que tudo o que precisamos já está contido neste texto. Entretanto, temos que nos lembrar daquele encontro de Jesus com o mestre da Lei que lhe pergunta qual é o maior mandamento, e que Jesus reponde “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração… e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10,29).

Na Lei de Moisés, o próximo, é o compatriota, ou seja, aquele que é próximo por causa laço de sangue e de raça. É aquele que também observa a Lei. Mas a um homem que não tem a nada a ver com a Lei de Deus, a um homem que não se preocupa em amar, seria inconcebível considerá-lo como próximo.

É exatamente neste ponto que Jesus situa o mandamento do amor: amar de forma inconcebível! Jesus nos pede para considerar o amor ultrapassando qualquer princípio de reciprocidade. O amor fundado numa simples situação de “troca” permanece um amor muito frágil; um amor muito estreito, um amor sob condições. Este amor acaba por ser muito natural, e muito humano; ainda não é a imagem de Deus, o “sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.

Nossa objeção, é claro, é justamente dizer: “mas nós nãos somos Deus!” “Ser perfeito como Deus é inatingível para nós!” …

Ora, irmãos e irmãs, pensar assim, é justamente o nosso maior erro! Pensar assim é se colocar como juiz da Palavra de Deus, em vez de deixar-se ser julgado por ela. Pensar assim seria justamente fazer-se como um deus, colocando-se em pé de igualdade com Ele…

Sim, é Ele que é Deus, é Ele quem nos criou; mas ele fez isso num projeto de amor, porque, como disse São João, Deus é amor. O amor não sabe fazer nada além de amar e ser amado. Não com um amor apenas sentimental… O amor, também é um sentimento, mas, antes de tudo, é um ato de vontade. Deus ama de forma permanente porque ele quer amar. N’Ele, “querer amar” e “amar” são a mesma coisa: ele diz e isso “é”.

Porém, para nós, que somos marcados pelo pecado, existe uma certa distância entre o querer amar e o amar. Seria impossível transpor esta distância por nós mesmos. É por isso que Deus nos enviou seu Filho, que assumiu nossa carne, e que foi o primeiro a ultrapassar este limite.

Jesus nos diz para não enfrentar o malvado, e deu o exemplo deixando-se acusar, insultar e condenar injustamente. Se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda; e Jesus deixou-se bater e flagelar sem opor resistência. Se alguém te forçar a andar um quilômetro, caminha dois… e Jesus carregou sua cruz desde o pretório até o Gólgota. Amais vossos inimigos… e na cruz, Jesus orou: Pai, perdoa-lhe, pois não sabem o que fazem.

Ou seja, Jesus, em sua humanidade, realizou a perfeição do amor divino. A partir de então, se um homem ou uma mulher decide amar como Jesus amou, e tiverem fé em Cristo, esta mesma fé operará neles uma transformação. Porque, pela fé, Deus nos modela, pouco a pouco, à imagem de seu Filho.

Portanto, de nossa parte, cabe um ato de vontade associado a um ato de fé. Da parte de Deus, cabe o dom da força do Espírito de Amor que realiza em nós o mandamento que ele mesmo nos deu. É como se Deus dissesse: “Sede perfeitos, porque eu, o Perfeito, desejo realizar em vós a minha vontade”.

Mas nós sabemos muito bem que o caminho do Amor divino não pode ser percorrido sem combates. O próprio Jesus passou por este combate. No Monte das Oliveiras, ele foi tentando até o sangue: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua”(Lc 22,42). E isso torna evidente o fato de que o amor incondicional nos expõe a uma profunda vulnerabilidade, com o risco de sermos atacados e até mesmo destruídos pelos malvados. Imitando Jesus, quantos mártires e santos não foram assim massacrados? Entretanto, é certo que no último dia de nossas vidas, só o que restará será o amor, e quem perder sua vida por causa desse Amor, vai encontrá-la! (cf. Mt 16,25).

Eis, portanto, o caminho do amor ao qual nosso Pai nos chama: Jesus é o próprio caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6).

É preciso ainda sublinhar o quanto este apelo de nosso Deus se distingue dos valores do mundo. Este caminho é julgado como loucura para o mundo. Mas como diz São Paulo: “O Senhor conhece os pensamentos dos sábios; sabe que são vãos!” (1Cor 3,20). E o mesmo Paulo nos lembra: “tudo é vosso, mas vós sois de Cristo”. E se o somos, temos que assumir este fato, mesmo que isso indique estarmos em contradição com os valores do mundo.

A loucura do Amor é a marca suprema do nosso chamado. Jesus fez de nós o Templo de Deus, e o Espírito de amor habita em nós. Na fé em Jesus Cristo, nós podemos viver e agir pela força do Espírito Santo, e assim seremos gerados na perfeição do Amor.

Como disse Jesus: “se vós amais como fazem os pagãos, o que fazeis de extraordinário?” Não é a um amor ordinário e natural que somos chamados. Mas sim, à ação sobrenatural do Espírito Santo que quer fazer de nós santos, porque Deus, nosso Pai, é Santo, e porque Ele tem apenas um desejo: nos configurar à sua própria santidade.

Amém!

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