SOLENIDADE DA DEDICAÇÃO DA IGREJA DO MOSTEIRO (Lc 19, 1-10)

D. Paulo DOMICIANO,OSB

A cada ano nós comemoramos o aniversário da dedicação desta igreja monástica. Desde a antiguidade, dá-se o nome de “igreja” aos edifícios construídos nos quais a comunidade cristã (a igreja viva) se reúne para celebrar os sacramentos, ouvir a Palavra de Deus e adorar a Deus. Desde então, guarda-se o costume de dedicar/consagrar essas igrejas ao Senhor mediante um rito solene.

Este rito, presidido pelo bispo, manifesta a dignidade desta igreja de construção e nos mostra o mistério do Povo de Deus que é a Igreja. É claro que a própria celebração da Eucaristia aqui celebrada é o que consagra a igreja, mas segundo esta antiquíssima tradição, “há uma prece de dedicação, em que se afirma o propósito de dedicar para sempre a igreja ao Senhor e se implora sua bênção” (Intr. Ritual da Dedicação de Igreja, 15).

Dentre estes ritos, concluída a oração, temos o rito da unção com o óleo do Crisma, da incensação e iluminação do altar e das paredes da igreja. Pela unção, o altar torna-se símbolo de Cristo, que é o Ungido por excelência e assim é chamado; e ungindo as paredes, marcadas com as cruzes, significa que a igreja toda e para sempres está consagrada ao culto cristão, como imagem da Jerusalém celeste (cf. IRDI, 16). “A iluminação do altar, seguida pela iluminação da igreja, lembra-nos que Cristo é a luz para a revelação dos povos; com sua claridade resplandece a Igreja, e, através desta, toda a família humana” (IRDI, 16).

No Evangelho para a festa da Dedicação da Igreja temos o do encontro de Jesus com Zaqueu. Jesus continua seu caminho para Jerusalém, está quase chegando à Cidade Santa para cumprir o seu destino. Poderíamos imaginar que este pensamento consumia Jesus interiormente, ocupando todas as suas preocupações e tudo o que se passava ao seu redor ao longo dessa viagem determinante. Mas não, Ele não considera nada e nem ninguém como secundário, mesmo um tipo como Zaqueu.

Zaqueu é importante e conhecido na cidade de Jericó, mas o que é Jericó? É claro que é uma cidade que tinha sua importância na Antiguidade e no tempo de Jesus. Além de ser considerada a cidade mais antiga do mundo, Jericó é também a cidade mais baixa do planeta, localizada a 270m abaixo do nível do mar, no vale do Jordão. Assim, podemos dizer que Jericó está em um buraco, um lugar abaixo de tudo e de todos.

Mas é precisamente neste lugar que Jesus se detém. Simbolicamente Ele visita o ponto mais profundo da terra. Mas não só isso, Ele decide se deter e entrar em um lugar ainda mais baixo, não geograficamente, mas desprezível social e religiosamente falando: a casa de um chefe de publicanos. No fundo desse abismo Jesus proclama: “Hoje a salvação entrou nesta casa”.

Festejamos hoje a festa da dedicação desta igreja monástica e somos convidados a renovar nossa fé de que neste pequeno mosteiro, desconhecido pela grande maioria do mundo, inclusive do Brasil, perdido no interior do Rio Grande do Sul, quase no fim do mundo, Deus também quis passar e estabelecer a sua morada.

Mas o que se passa aqui neste pequeno espaço não é insignificante. Assim como não é insignificante o que se passou na pequena e antiga Jericó, abaixo do nível do mar, na casa do pequeno Zaqueu, que era baixo não só de estatura, mas de caráter. O que se passa aqui é a obra da salvação que Deus nos manifesta todos os dias.

Jesus poderia ter atravessado Jericó e seguido sua importante viagem, sem lhe dar nenhuma importância, mas Ele veio a este mundo justamente para chegar neste abismo da realidade humana, representada por Jericó, mergulhada na velhice do pecado e na baixeza que separa de Deus. Jesus olha cada ângulo desta terra por onde caminha porque é a terra onde o Espírito Santo está trabalhando. Este é o segredo de sua disponibilidade diante de qualquer circunstância: Jesus vê que sobre esta terra ressequida pelo mal existe uma árvore de onde pende um fruto precioso e maduro, um fruto de desejo, pronto para ser colhido. Zaqueu sobre a árvore é este fruto! Ele encontra alguém que não teme colocar em risco a sua reputação, sua dignidade, para lhe dizer: eu te espero, eu quero te ver. Ao desejo, mesmo tímido de Zaqueu, Jesus responde: “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa”.

Se nós ousamos desejar o encontro com Jesus, lhe receber em nossa casa, em nossa vida, todo o resto assume o seu devido valor. Vejam, na casa de Zaqueu, toda a sua riqueza, seu status, assume outro valor para ele a partir daquele instante. Aquilo que o afastava de Deus, dos outros e dele mesmo, se torna o meio do reencontro. O dinheiro deixa de ser objeto de poder e crime e passa a ser meio de partilha e comunhão. Para nós isso vale também. Tudo o consideramos como segurança, como posição, como riqueza… tudo isso que tantas vezes tira o nosso sossego, nossa paz e até mesmo é motivo de guerra em nosso interior e ao nosso redor, tudo assume outro valor quando aceitamos a visita de Jesus em nossa vida. A maior riqueza que precisamos nos é oferecida gratuitamente por Jesus. Essa riqueza é o próprio Jesus.

Nós que nos reunimos neste lugar onde a salvação veio habitar, onde o Cristo se manifesta e se faz presente através de seus mistérios celebrados, através da comunidade reunida em seu nome para louvá-lo, somos chamados a nos deixar transformar, como Zaqueu, aprendendo de Cristo a sermos misericordiosos, justos, livres. Aqui, não é Cristo que pede para entrar em nossa casa, como na casa de Zaqueu, mas é Ele mesmo que nos convida a entrar e morar em sua casa. Como a Zaqueu, Jesus nos viu, olhou para cada um de nós, se interessou por nós, e também nos diz hoje: desde depressa… preciso de ti, quero estar contigo: eu em tua casa e tu na minha casa.

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