Homilia para o Domingo de Páscoa na Ressurreição do Senhor,
proferida a 12 de abril de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

At 10,34a.37-43; Sl 117; Cl 3,1-4; Jo 20,1-9

“Cristo ressuscitou! Verdadeiramente ressuscitou!”. Caros irmãos e irmãs, eis como os cristãos se cumprimentam na noite e no dia da Páscoa. Talvez não vos seja muito familiar essa forma engraçada de se dizer “olá”. Certamente, isso pode provocar espanto e incompreensão para muitos que não creem. A ressurreição de Jesus é uma certeza e até mesmo uma evidência para os cristãos; ou ao menos para a maioria dos cristãos, já que infelizmente, em tempos de provação, isso não parece ser tão evidente para alguns. Entretanto, este é o coração de nossa fé. Pois, se Cristo não ressuscitou, vã é nossa fé, como exclama São Paulo (1Cor 15,14).

Mas, enunciada assim, fora de seu contexto, a afirmação da ressurreição não é capaz de suscitar a fé entre aqueles que não creem ou de convencer os indecisos. Sabemos que é sempre perigoso tirar uma frase de seu contexto. Assim, é indispensável situar a Páscoa à luz de todo o mistério pascal e de toda a vida de Jesus Cristo.

É isso que os apóstolos fizeram proclamando o kerygma. É isso que Pedro fez quando anunciou o mistério de Cristo ao centurião romano chamado Cornélio. Foi o que ouvimos na primeira leitura, embora seja apenas um trecho de seu discurso. É preciso compreender o que está acontecendo neste encontro entre Pedro e o centurião. Cornélio não é judeu, mas teme a Deus e respeita os fiéis. Pedro e Cornélio tinham, cada um, uma visão daquilo que ainda não compreendiam completamente. Mas Deus prepara um encontro entre eles. Quando Pedro percebe que Deus o enviou para proclamar a Boa Nova a este centurião romano, ele se põe a apresentar-lhe o kerygma: a mensagem da fé. Esta se sustenta sobre três elementos:

  1. Jesus é o enviado de Deus, ungido com o Espírito Santo;
  2. Ele foi condenado à morte, mas ressuscitou;
  3. Ele apareceu após sua ressurreição e instruiu seus discípulos a testemunhar que n’Ele todo aquele que crê recebe o perdão de seus pecados.

É este anúncio que leva Cornélio a se converter e pedir o batismo para ele e para sua família. Cornélio é um homem que tem consciência de sua miséria, mas ele espera em Deus que se manifestou na história da humanidade e que vem para salvar a todos do pecado e da morte.

Ora, assim como para Cornélio, a ressurreição de Cristo é determinante na medida em que cremos que Cristo veio para nos salvar, para nos libertar de nossos pecados. Mas, quando uma provação – como a que estamos vivenciando atualmente – contraria nossos planos, quando o medo, ou próprio o sofrimento, tiram nossas perspectivas de futuro, nós nos sentimos privados de nossa liberdade ou até nos revoltamos. Mas Cristo veio não para nos condenar ou nos privar, mas para nos erguer e nos fazer viver. Para Marta, irmã de seu amigo Lázaro, ele disse: “Eu sou a Ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25).

Muitas vezes Deus manifestou seu amor pela humanidade. “A mão direita do Senhor fez maravilhas, a mão direita do Senhor me levantou. Não morrerei, mas ao contrário, viverei” é o que cantamos há pouco (Salmo 117,16-17). Assim, a todos aqueles que estão isolados pelo medo, ou que estejam angustiados por enfrentar diretamente uma enfermidade, ou mesmo àqueles que perderam um ente querido, a estes e a todos nós o Senhor repete: “Eu sou a Ressurreição (…) Se creres verás a Glória de Deus” (Jo 11,25.40). Jesus se revela como a ressurreição, porque Ele ainda hoje manifesta sua presença ao longo de nossas vidas e especialmente nos momentos em que somos mais frágeis, onde encontramos ao nosso redor pessoas cheias de zelo que nos estendem a mão. Muitas vezes, quando estamos nas profundezas do abismo, quando nos sentimos mais fracos, é que o Senhor nos mostra sua presença e sua ternura. Ele nos consola e nos faz entrever um novo dia. Esta é a experiência de Maria Madalena e, em seguida, dos dois apóstolos no evangelho deste dia de Páscoa. Pedro e João correm para o túmulo, e veem a pedra retirada, veem aquela obscura entrada como se fosse uma ferida aberta. Não há mais corpo, mas apenas as faixas de linho que o envolviam. Mas, “o discípulo que Jesus amava viu e acreditou”.

Ele compreendeu que não é mais do lado do túmulo que se deve procurar. “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui, ressuscitou!” (Lc 24,5-6).

Ele compreendeu que Jesus ressuscitou para que nós possamos ressuscitar com ele. Jesus queria que morrêssemos para nossos pecados para assim destruir a nossa morte, e fazer jorrar em nós a vida nova que nos faz renascer por sua graça.

Olhemos para nós mesmos para ver qual o lado da vida que está diante de nós: o lado da escuridão do túmulo, ou o lado da fé. Jesus saiu do túmulo e nos convida a ter esperança. Ele nos chama a sair, não de nossas casas, mas para fora de nossos túmulos interiores, e para crermos que ele é nossa vida e nossa ressurreição!

Então, olhemos para “as coisas celestes e não para as coisas terrestres”. Acolhamos a vida que nos vem da parte de Deus e saibamos testemunhá-la.

Como disse o Papa Francisco: “Deus sabe transformar tudo em bem, pois até do túmulo ele fez sair a Vida”. De toda situação de sofrimento, de medo, de pobreza, Deus pode nos reerguer. A obstinação em querer administrar sem Deus nossas próprias vidas, em querer enclausurar a vida somente em nossas próprias experiências, esquecendo-nos dos demais, nos mantém dentro do túmulo. O mundo de hoje deixa claro para nós que: ou continuamos sendo prisioneiros deste túmulo interior ou nos deixamos libertar e ressuscitar. Nossa fé cristã nos ajudará a permanecermos firmes numa sociedade já cansada e desencantada com os “poderosos deste mundo” – que se perdem entre tantas disputas de poder –, mesmo que estejamos enfraquecidos, empobrecidos, desprezados e humilhados. São Paulo bem que nos advertiu: “nem a morte, nem a vida; nem as realidades presentes nem as que estão por vir, NADA PODERÁ NOS SEPARAR DO AMOR DE DEUS QUE ESTÁ EM CRISTO JESUS, NOSSO SENHOR!” (cf. Rm 8,38-39).

Hoje, só o que realmente temos como garantia é o Batismo que recebemos. Somente a ressurreição de Cristo representa nossa única esperança. Certamente devemos continuar a viver em nossa sociedade marcada pela corrupção, pela degradação do pecado – e agora, pelo medo e pela incerteza de um futuro –, mas devemos precisamente oferecer tudo isso a Deus no sacrifício da nossa Eucaristia, mesmo que seja um Eucaristia de desejo, como é a vossa. Pois isso é que nos dará forças para nos guardar do pecado, mas principalmente para testemunhar nossa adesão ao Evangelho e às promessas de Deus em Jesus ressuscitado.

Caros irmãos e irmãs, talvez tenha chegado o tempo em que a melhor coisa que temos a dizer uns aos outros, o melhor que podemos a dizer àquele parente que mora longe de nós e que não podemos visitar, àquela pessoa querida, nossos pais, nossos anciãos que talvez estejam isolados, sem companhia, com medo, àquelas pessoas doentes ou com doentes em sua família, enfim, à todos aqueles que sentem o peso destes tempos difíceis em que vivemos, antes mesmo de manifestar alguma preocupação, ou quando nos faltarem as palavras, o melhor que podemos dizer é “meu irmão, minha irmã, Cristo Ressuscitou! Ele verdadeiramente ressuscitou!”

Amém! Aleluia!

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