3º Domingo da Páscoa – Ano C
At 5,27b-32.40b-41; Sl 29; Ap 5, 11-14; Jo 21,1-19
Comunidade Católica Anawin e Irmãs Marcelinas (Itaquera), São Paulo, SP
1º de maio de 2022

Caros irmãos e irmãs, que contraste! Que contraste entre a leitura do Apocalipse de São João, com sua descrição da liturgia celestial, as miríades de anjos, as prostrações e adorações dos Anciãos e dos Seres vivos diante do trono do Cordeiro, num transbordamento de cantos, ouro, luz e incenso, e o Evangelho deste mesmo São João que nos mostra na sobriedade, no despojamento, uma aparição de Jesus aos seus discípulos nas margens do mar de Tiberíades. De um lado, a abundância no céu, do outro, a extrema simplicidade na terra. Enquanto que o Apocalipse se assemelha ao que poderia ser o fim, a recapitulação de todas as coisas em Deus, o último capítulo do Evangelho segundo São João se apresenta mais como um começo.

Essa pesca milagrosa que São João nos descreve hoje, os outros evangelistas colocam-na logo no início de seus relatos: é o cenário e a ocasião do chamado dos primeiros discípulos. Aqui, em São João, encontramos Pedro e seus amigos pescadores que trabalham em vão a noite toda e pescam, a convite do Senhor para lançar as redes, uma enorme quantidade de peixes junto com o chamado, bem no final: “Segue-me!” E então? Um retorno cíclico onde tudo recomeça?

Na verdade, não, porque o ambiente, a atmosfera que envolve esta cena da pesca milagrosa no Evangelho segundo São João, não é a mesma do início do ministério de Jesus: não há multidão, não há pregação, mas temos um tipo de calmaria e serenidade, uma total ausência de urgência e precipitação… Não há ondas no lago, o quem faz dele um perfeito espelho no qual se refletem os montes ao redor. E depois, ao contrário do início do ministério de Jesus, está ali a Igreja, com Pedro e os outros discípulos: não são doze, mas estão juntos, assim como Jesus quis congregá-los. É a Igreja como fraternidade daqueles acompanha Pedro durante uma noite de trabalho; a Igreja que nos deixa entrever os vínculos criados entre aqueles que seguem Cristo, por meio do vínculo que cada um teve com Jesus.

Mas, sobretudo, o maior dos contrastes é a presença do Ressuscitado: Jesus, que passou pela morte, que atravessou a Mansão dos Mortos e que se faz presente em sua Igreja. Este Senhor ressuscitado não se revela em glória, na evidência de sua vitória, mas, como fez durante todo o seu ministério, ainda se mostra um servo humilde: ele acende o fogo, prepara a refeição, espera pacientemente a volta do barco já que houve tempo suficiente para o fogo criar brasas, e então ele parte o pão. Lembrai-vos, na Quinta-feira Santa, quando Jesus lavava os pés de seus discípulos: lá está ele novamente, ressuscitado dos mortos, estabelecido como Senhor e Cristo, a serviço de seus irmãos na humilde tarefa que geralmente pertence ao escravo. Cristo ressuscitado não se torna mais alto, nem maior, mas apenas mais íntimo. E é isso que impressiona no final do relato: a intimidade do Ressuscitado. Ele é ainda mais íntimo do que no início do ministério: e este é um dos frutos da Ressurreição.

Outro motivo de surpresa, até mesmo estupor, é que a humildade de sua aparência e de sua ação acompanha a humildade de sua palavra. Vocês notaram alguma ausência em seu discurso? Eu sei que é difícil perceber o que não está presente, mas, no entanto, há em seu discurso uma ausência que nos ensurdece: é a ausência de censuras ou reprovações. Para aqueles que o abandonaram ou o negaram na Cruz, Jesus não tem nenhuma palavra de reprovação. Nenhuma! Em nenhuma de suas aparições ele não lhes dá lição sobre o que deveriam ter feito, sobre sua falta de coragem, sobre promessas quebradas. Só o que tem são palavras de reconciliação em sua boca: paz, como ouvimos duas vezes no 2º Domingo da Páscoa (“A paz esteja convosco “; Jo 2,19.26), o perdão dos pecados (que é a essência das duas primeiras aparições) e, hoje, a pergunta íntima feita a Pedro “tu me amas?” (Jo 21,15) que é repetida três vezes como que para apagar a tripla negação. E a Pedro, mesmo sem compreender esta pedagogia da reconciliação, é confiado, como pecador perdoado, ao ministério da reconciliação. Talvez tenha sido somente por causa desta condição de ter experimentado a misericórdia que Pedro pôde assumir o ministério da misericórdia: dar testemunho do Salvador é também testemunhar uma salvação para si mesmo, um perdão que me é concedido e que, por isso, posso testemunhar como algo possível e acessível a todos.

Irmãos e irmãs, nós estamos hoje neste tempo da presença do Ressuscitado em nosso meio, assim como ele esteve presente com seus discípulos nas margens do mar de Tiberíades. Ele está presente nesta tarde como o humilde servo, que não tem na boca palavras de reprovação, mas palavras de reconciliação e esta pergunta, a mais íntima de todas, feita a cada um de nós: “…tu me amas mais do que estes? Tu me amas realmente? Tu me amas?” Não tenhamos medo de lhe responder: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Ou, quem sabe, responder de uma forma um pouco mais realista: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo, não tanto quanto eu gostaria, nem tanto como poderia, mas eu te amo”.

Que possamos fazer de simples nossas vidas um capítulo 21 do Evangelho de João! Sob a aparência do comum, do ordinário, do incessante recomeçar de cada dia, mesmo naquilo que parece ser sem importância, viver como Igreja, como família, no ambiente profissional ou social, enfim, viver como comunidade Anawin essa intimidade com o Senhor ressuscitado que é, de fato, o verdadeiro Servo de nossa comunhão e nossa alegria. Abramos os olhos e os ouvidos e, no momento em que ele hoje nos distribuir o pão, respondamos com um grande clamor do coração dizendo: “É o Senhor!” Amém! Aleluia!

Dom Martinho do Carmo, osb

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