Homilia para Profissão Simples de Ir. Gabriel OSB
na Festa da Natividade de Nossa Senhora,
proferida a 8 de setembro de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

Cl 3,12-17; Sl 39; Lc 1,26-38

“Eis aqui a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra!”

(Lc 1,38)

Caríssimo ir. Gabriel, esta frase de Maria ao anjo enviado por Deus, poderia ser definida como a “Profissão de Maria”. De fato, foi neste momento que a Virgem compreendeu e aceitou com total liberdade a vocação que Deus tinha escolhido para ela. Uma vocação que não é comum: uma vocação à virgindade, na obediência e na pobreza, chegando ao ponto de fazer a fecundidade de toda a sua vida depender unicamente daquele chamado, daquelas palavras, daquela inspiração.

Todas as vocações da história da Salvação, antes e depois da Encarnação, dependem deste momento, dependem deste “sim” único e total de Maria, porque todas as vocações tem em Cristo seu sentido e sua consistência. Toda vocação é um chamado do Verbo de Deus, da Palavra do Pai que é o Filho feito carne, feito homem no seio de Maria.

Para Maria tudo foi decidido naquele instante, naquele “sim”, quando a liberdade da Virgem escolheu escutar, obedecer, seguir e, portanto, viver e amar na maneira do acontecimento que o anjo lhe anunciara. Verdadeiramente, foi uma Profissão, sua primeira e última Profissão, sua primeira e definitiva Profissão.

Creio que também nós devemos celebrar nossa Profissão, nossa vocação olhando sempre para o Cristo, o Deus-conosco, fazendo assim com que Ele mesmo seja a medida e a fecundidade da nossa consagração. Só assim entenderemos que toda a nossa fidelidade à vocação consiste no simples fato de estar com Ele, no apegar-se cada vez mais à Sua presença, em permitir que essa Presença nos acompanhe em cada passo do nosso caminhar, e também, no saber voltar à Ele todas as vezes que nossos passos distanciam-se Dele e caímos quando não nos apoiamos mais n’Aquele nossa força e sustento.

Caro irmão Gabriel, meditando este Evangelho, parece-me claro que ele seja um resumo, ou um modelo, um arquétipo do que deve ser uma Profissão Monástica. Toda a vocação de Maria, mas também a nossa e a sua, estão contidas entre a primeira e última palavra do seu Patrono, o anjo Gabriel: “O Senhor está contigo!” e “Para Deus nada é impossível!” (Lc 1,28 e 37).

Tudo aquilo que o anjo anuncia entre estas duas palavras é a obra impossível de Deus dentro da nossa vida, obra que se cumpre somente se, como Maria, acolhemos, em nosso coração e com todo o nosso ser, a presença do Senhor que tudo pode. O milagre é que a obra impossível de Deus, obra do Espírito Santo, se cumpre em nossa carne, nosso corpo, nossa pessoa, assim como aconteceu com Maria. O milagre – que realmente parece incrível – é que o Espírito Santo necessita de nós para manifestar ao mundo a proximidade de Deus, a proximidade de Seu amor. O Amor divino se manifesta quando Deus faz-se próximo à humanidade, próximo como amigo, como um pai ou uma mãe. Deus pede para entrar na carne da nossa vida para fazer-se próximo a cada ser humano, como Jesus descreve na parábola do bom Samaritano: “um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele (…) e tratou suas feridas” (cf. Lc 10,33-34).

Como seu formador, tomei conhecimento de alguns dos opróbrios que vivenciastes em sua formação inicial – os desafios da vida comunitária, devido às limitações dos irmãos, e das próprias limitações ao relacionar-se com os irmãos, e mais ainda, a difícil e repentina perda de seu pai, ocorrida durante o seu tempo de formação. Mas, em tudo isso, posso testemunhar que vos foi dado a conhecer algumas das “coisas duras e ásperas pelas quais se vai a Deus” (RB 58,8), e reconheço, em vossa caminhada, o desejo de modelar-se dia após dia, no relacionamento com o Senhor que se revela na solidão do coração, mas também – e muitas vezes! – no rosto de cada irmão: seja naquele que nos faz o bem, seja naquele outro que, ao contrário, precisa que eu lhe faça o bem. Como meditamos em vosso retiro, a consagração – e, portanto, a fidelidade à nossa vocação – só pode acontecer na estabilidade, na conversatio morum suorum e na obediência: são votos pessoais, mas não são votos para si mesmo; são votos de comunhão que nos levam à pertença de Cristo dentro da pertença a uma comunidade. Nós emitimos votos de comunhão com Cristo e em Cristo, mas nenhum monge pode ser fiel sozinho, apenas com sua ascese individual, sem uma comunidade, sem o seu superior. Ninguém se faz monge sem os seus irmãos! Talvez as nossas próprias feridas humanas, sejam o motivo pelo qual São Bento disse que o caminho da salvação “nunca se abre senão por penoso início”. Mas não nos é permitido, como monges, esquecermos d’Aquele que trata e cura as nossas feridas, e que dilata o nosso coração na inenarrável doçura de amor (cf. RB Pról 47-50).

São Bernardo, o fervoroso servo da Virgem Maria, expressa isto em uma frase na qual reflito muitas vezes: “Aquele que poderia contentar-se em nos ajudar, quis vir até nós” (Sermão 3, Vigília de Natal). Sim, Deus poderia nos ajudar sem vir, sem estar presente no mundo, sem a Encarnação no seio de Maria, na história e em nossa vida. Porém, Ele quis vir; Ele preferiu a presença mais do que a simples assistência, uma simples ajuda, mesmo que fosse uma ajuda “onipotente”.

Antecipando o mistério que a Igreja prefigura, Maria nos testemunha que o “vir” de Deus, o seu “estar conosco”, o seu “ser Emanuel”, passa através da nossa carne, da nossa existência. Todo cristão é membro do Corpo de Cristo e toda vocação encarna um aspecto desse “aproximar-se” de Deus ao ser humano, para amá-lo, para curá-lo, para salvá-lo.

A vocação monástica, como uma vocação à vida contemplativa, também encarna este mistério, porque a separação monástica da sociedade só tem sentido se for vivenciada como uma forma com a qual Deus quer fazer-se próximo do coração da humanidade profundamente ferida e sofredora, com sede do amor de Deus e da salvação. Para Maria não existiu nenhuma separação entre a solidão contemplativa da Anunciação e o serviço ativo da Visitação, porque o mistério da presença de Cristo nela, e através dela, unificava toda a sua vida na experiência do amor que se faz próximo para salvar.

Por isso, caro Ir. Gabriel, celebrar sua primeira Profissão, significa, antes de tudo, festejar com gratidão o dom da proximidade de Deus a cada um de nós e, portanto, o dom da salvação, o dom da plenitude de vida que para nós e por meio de nós, Deus quer doar à humanidade inteira.

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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