XX DOMINGO DO TC – C (Lc 12,49-53)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Mais uma vez é importante lembrar que Jesus está subindo para Jerusalém com seus discípulos e tem a plena consciência de que a meta de sua viagem é a Cidade Santa, que rejeita e mata os profetas, como Ele mesmo vai declara no próximo capítulo do Evangelho de Lucas (cf. Lc 13,33-34). É, portanto, o lugar de seu êxodo deste mundo ao Pai através da morte de cruz, conforme o anúncio feito aos discípulos antes de iniciarem a viagem (cf. Lc 9,22).

Em seus ensinamentos e palavras Jesus expressa suas convicções e seus desejos, e um deles é este que acabamos de ouvir: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!” Esta, com efeito, é a razão de sua vinda ao mundo: veio para lançar fogo! Evidentemente que não se trata de um fogo destruidor, que queima e aterroriza, mas um fogo que é força divina, que purifica e renova todas as coisas. A experiência da presença e da ação de Deus é sentida por Jesus como um fogo que queima interiormente, que ilumina e aquece.

Em São Lucas o fogo é símbolo do Espírito Santo, já anunciado no início do Evangelho por João Batista, como força, presença divina, que se manifestará sobre aquele que há de vir para batizar com o Espírito Santo e com fogo (cf. Lc 3,16); é também o fogo que desce sobre os Apóstolos em Pentecostes em forma de línguas de fogo; um fogo vivo, sinal do Ressuscitado (cf. At 2,1-11).

A seguir Jesus exprime um outro desejo, ligado ao primeiro: “Devo receber um batismo, e como estou ansioso até que isto se cumpra!” Este batismo é a grande prova, que se refere à sua paixão, pois o fogo de amor, o fogo de Pentecostes, que Ele deseja lançar sobre a terra, brota de sua cruz, de sua paixão. Não se trata de um desejo de sofrimento, de dor, mas de cumprir a vontade do Pai e de doar a sua vida para que tenhamos vida em plenitude. É um novo anúncio de sua paixão e morte, quando Ele será imerso, como em um batismo, em um poço profundo, na provação, no sofrimento e na morte. É neste sentido que podemos entender o motivo pela qual a liturgia de hoje nos propõe na primeira leitura este trecho do livro do profeta Jeremias, seguido pelo Salmo 39. Jesus é o justo perseguido, rejeitado pelas autoridades religiosas e políticas, e mesmo pelo povo, mas, porque confiou e esperou no Senhor, em seu Pai, venceu a morte: “Esperando, esperei no Senhor, e inclinando-se, ouviu meu clamor. Retirou-me da cova da morte e de um charco de lodo e de lama”.

Finalmente, temos um terceiro pensamento de Jesus, talvez o mais chocante para a nossa sensibilidade. Um pensamento de encorajamento, garantido que tudo ficará bem, que todos vão dar as mãos e que tudo será maravilhoso? Eis o nosso engano… “Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão”. A realidade, meus irmãos e irmãs, é que quanto mais nos conformamos a Jesus Cristo e ao Evangelho, quanto mais força o fogo de seu Espírito ganha em nosso meio, mais emerge o poder da divisão, da oposição, da contradição.

É claro que Jesus não deseja a divisão ou a guerra entre nós, mas Ele sabe que o seu modo de vida, desde o seu nascimento, revela o poder das trevas. Aquele que aceita seguir Jesus e se configurar a Ele incomoda os que estão a seu redor, incomoda o mundo, porque revela suas obras más. Quanto mais nós vivemos o Evangelho, quanto mais o fogo de sua Palavra arde em nosso peito e em nossa vida, mais se evidencia a divisão entre nós, mesmo dentro de nossa casa, entre nossos amigos. Isso porque nem todos querem se deixar inflamar pela exigência incondicional deste fogo que brota da cruz de Cristo. Este fogo de amor, que poderia conduzir todos a unidade e a paz, divide e provoca a resistência daqueles que desejam permanecer nas sombras.

A verdade é que a cruz de Cristo se estabelece como um sinal de discernimento, ou seja, de separação – “vim trazer divisão”. Usando a imagem de Santo Agostinho, pelo Evangelho de Jesus se estabelece a divisão entre uma “cidade de Deus”, dominada pelo amor, e uma “cidade do mundo”, dominada pelo pecado. O fogo que Jesus lança sobre a terra nos coloca numa situação de escolha, onde temos de nos separar daquilo que nos impede de progredir na vivência do Evangelho para entrarmos na “cidade de Deus”. Escolhas nem sempre fáceis ou simples… Mas lembremos que o fogo que Ele veio lançar queima, mas purifica, destrói, mas ilumina, mostra o que realmente importa e o que vale à pena. É a verdade que a realidade do mundo esconde, mas que deve ser buscada, amada e seguida.

Jesus continua sendo o “Príncipe da Paz” (Is 9,5) e a sua vitória é certa, mas só se chega ao Reino através das tribulações, das provas, das separações. Assim foi para Ele, e assim deve ser para nós, seus discípulos. Se confiamos nele, se temos os olhos fixos nele, como nos exorta hoje a Carta aos Hebreus (cf. Hb 12,2), não temos medo do fogo ardente do Evangelho e do Espírito Santo.

Em sintonia com o Evangelho, que nossa oração de hoje seja inspirada por isso que pedimos no início de nossa celebração: “acendei em nossos corações a chama da caridade para que, amando-vos em tudo e acima de tudo, corramos ao encontro das vossas promessas que superam todo desejo”.

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