QUINTA-FEIRA SANTA
HOMILIA CEIA DO SENHOR (Jo 13,1-15)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
“…tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.
Esta nota que João imprime ao relato da Última Ceia é para nós uma chave de leitura, não somente para este episódio, do qual fazemos memória hoje, mas nos permite mergulhar no sentido mais profundo de todo o Mistério Pascal de Jesus Cristo. Ele nos amou até o fim, ou seja, amou-nos até as últimas consequências, sem nenhuma economia, sem poupar para si nenhuma reserva. Iluminados por este amor sem limites, podemos contemplar os traços do caminho trilhado pelo Cristo desde que desceu de junto do Pai para se fazer homem e habitar entre nós e em nós; contemplamos todo o seu ministério, revelando a face misericordiosa do Pai através de suas palavras e gestos salvíficos; através deste amor podemos compreender, finalmente, o grande caminho percorrido por Ele até Jerusalém para ser entregue, livremente, às mãos de seus inimigos para nos salvar.
Todo este caminho salvífico percorrido por Cristo, que se despoja, que desce, que se abaixa humildemente, que serve, se colocando aos pés dos homens, se faz visível na Última Ceia, como em um ícone, que sintetiza tudo, simbolicamente, em poucos e intensos traços, nos permitindo contemplar o mistério do amor de Deus.
Ao mesmo tempo que sintetiza todo o caminho percorrido por Cristo até este momento, a Última Ceia é a antecipação de sua paixão, morte e ressurreição. O sinal do pão partido e do cálice partilhado, unido ao gesto de abaixar-se para lavar os pés dos discípulos, nos revelam o caminho percorrido por este amor, que amou até o fim.
O amor é sempre um caminho de descida, é sempre um caminho de humildade, é sempre um caminho de doação e serviço. Por este caminho o Senhor nos convida a segui-lo, como seus discípulos. “Fazei isso em minha memória”.
É deste mandato do Senhor que nasce a Igreja e o sentido de nossa vocação de discípulos. De nada valeriam esses dois mil anos de Cristianismo e de Igreja se tudo isso fosse fruto apenas de nossa iniciativa humana, por melhores que fossem nossas intenções. A Igreja só tem sentido de existir para cumprir este mandato do Senhor: “Fazei isso em minha memória”. Partir o pão e partilhar o cálice, seu Corpo e seu Sangue por nós doados, e servirmos uns aos outros com amor, lavando os pés uns dos outros, como Ele mesmo nos ensinou, essa é nossa herança.
Hoje, cinco desses nossos irmãos aqui presentes, vindos de outras igrejas cristãs, farão sua profissão de fé, pedindo para serem admitidos à comunhão da Igreja Católica. Eles pedem para fazer parte deste caminho proposto por Cristo juntamente conosco. Por isso eles serão acolhidos por nós com rito do lavar os pés, que, segundo o Evangelho, é nossa identidade de servos de Cristo. Como o Senhor, nós também lhe dizemos: “Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz”.
Iniciando hoje o Santo Tríduo Pascal, deixemo-nos conduzir todos juntos por este caminho de amor sem medidas, de serviço e doação. Celebremos os mistérios de nossa salvação com o coração aberto e disposto a assumir em nós mesmos a força do amor de Cristo, que ama até o fim e nos transforma Nele mesmo. São Leão Magno dizia: “Impropriamente seremos chamados cristãos, se não formos imitadores de Cristo”.
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO DO SENHOR
HOMILIA PAIXÃO DO SENHOR (Jo 18,1-19,42)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
Nossa liturgia de hoje começa e termina em silêncio. Aquele que a preside se prostra por terra e todos o acompanham permanecendo de joelhos e em silêncio; ao concluirmos nossa celebração, não haverá uma bênção final e despedida, simplesmente uma oração e a genuflexão diante da cruz. Essa é a nossa forma de oração neste dia, nos recordando que, para nos aproximarmos do trono da cruz, precisamos aceitar o abaixamento, o despojamento e o silêncio, que nos permitem reconhecer neste trono não um lugar de derrota fatal, mas um sinal de misteriosa vitória.
Isaías profetiza dizendo: “Ei-lo, o meu Servo será bem sucedido; sua ascensão será ao mais alto grau.” (Is 52,13). Mas a seguir, ele acrescenta: “Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto; tão desprezível era, não fazíamos caso dele” (53,3). Tais palavras parecem estar em contradição… como alguém que é desprezado, coberto de dores e sofrimentos, humilhado; alguém que “foi eliminado do mundo dos vivos; e por causa do pecado do meu povo foi golpeado até morrer” (53,8), pode ser chamado de “bem-sucedido”?
O sucesso de Cristo consiste em “cumprir com êxito a vontade do Senhor” (53,10), fazendo “justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas” (53,11). Ao contrário do que parecia, Jesus, ao entregar-se nas mãos de seus inimigos, não era vencido, mas vencia o maior de todos os inimigos, o pecado e a morte. De fato, como diz Isaías ainda “ele, na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores” (53,12).
É descendo até a profundezas da humilhação e da morte que Cristo se ergue e nos levanta de nossa condição de pecado. É descendo que ele é exaltado, como proclama o hino de São Paulo aos Filipenses, que cantamos na aclamação ao Evangelho da Paixão. Por isso Ele havia anunciado previamente: “e eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).
Elevado na cruz, o Senhor declara: “Tudo está consumado”. O amor, que nos amou até o fim, como ouvimos no Evangelho de ontem, não se esgota, mas se consome, ama até as últimas consequências, sem reter nada para si. Assim, o “escândalo da cruz”, nas palavras de Paulo, se transforma em “escândalo do amor”. A cruz grita para nós: ama até o fim, sem economias egoístas, sem medo de deixar-se consumir. Somente assim, permitindo que este grito rompa a nossa surdez, quebre a nossa dureza e indiferença, que nós encontraremos sentido em nossos próprios sofrimentos, em nossas cruzes de cada dia. Sem acolher esta linguagem do amor, que se consome até o fim, a cruz será sempre escândalo e loucura, mas para aqueles que ouvem o seu apelo e a abraçam, ela se torna força e sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,23-24).
Hoje somos convidados a nos prostrar em adoração diante da cruz de Cristo, porque ela é vitoriosa e fonte de nossa salvação. Não é sinal de derrota ou desgraça, mas de vitória, de libertação e de esperança. O que faz a diferença entre um patíbulo de horror e um trono de amor é o beijo que damos nesta cruz. Beijar a cruz de Cristo não é um simples gesto de piedosa devoção, mas o sinal de nossa gratidão pela salvação que ela nos conquistou: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo”, aclamaremos logo a seguir. Este beijo é sinal de nosso desejo de abraçar este mesmo caminho assumido por Cristo: o caminho do amor, que ama até o fim, até a cruz, abrindo os braços largamente para abraçar a todos.
Deixemos que os braços da cruz nos abracem e abracem o mundo todo, e que ouçamos o seu grito: “ama até ao fim”, para que a vida tenha sentido e seja plena. Amém.
SÁBADO SANTO
HOMILIA DA VIGÍLIA PASCAL
Dom Paulo DOMICIANO, OSB
A Tradição da Igreja nos confia a bela responsabilidade de celebrarmos esta noite santa, onde somos convidados a contemplar e experimentar aquilo que a Igreja guarda de mais precioso em seu coração: o mistério da ressurreição de Cristo. Este “é o grande segredo do mundo e da história, a luz que toda treva, no mundo e na história, espera encontrar” (fr. Roberto Pasolini), mas que ainda não se deu conta. Como o próprio Senhor disse aos seus discípulos: “a vós foi dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus” (Mt 13,11). E assim, Ele fez de nós os portadores desta Luz, que é o próprio Cristo ressuscitado.
Nesta solene liturgia, acabamos de percorrer a história do mundo e da humanidade sob o ponto de vista de Deus, transmitido a nós através da Sagrada Escritura. Este olhar divino é, sem dúvida, um olhar otimista, cheio de esperança sobre nós; e sobre esta esperança que nós nos apoiamos de modo especial neste Ana Santo: A Esperança não engana! É assim que Deus nos vê: com esperança. Sob a espessa cobertura de nossos fracassos humanos, nossos pecados e rebeldias, Deus, que vê o íntimo de cada um (cf. Mt 6,4), sabe que somos capazes de sermos melhores. Somente Ele é capaz de contemplar a verdadeira beleza que nos habita. Por isso, no sétimo dia da criação, como ouvimos, Deus se detém para contemplar a beleza daquilo que criou, “e viu que era muito bom”.
Mas Deus não é um espectador passivo, Ele age em nosso meio e, sobretudo, Ele ama a sua criatura. É por isso que ao longo da história da salvação, apresentada a nós na liturgia da Palavra, Deus manifesta seu amor por nós, apesar de nossa resistência, nossa dureza e indiferença. Na plenitude dos tempos Ele enviou seu Filho a nós, que por seu Mistério Pascal – sua paixão, morte e ressurreição – nos abriu o caminho para a vida nova, a vida de filhos de Deus. Pelo santo Batismo, esta passagem de esperança se abre para nós e podemos comungar da morte e da ressurreição de Cristo, como nos declara São Paulo: “Será que ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós levemos uma vida nova” (Rm 6,3-4).
Hoje teremos a graça e a alegria de participar do batismo de Henrique e, junto com ele, vamos renovar as promessas de nosso próprio Batismo. Além disso, outros irmãos nossos receberão os sacramentos da Confirmação e da Eucaristia, completando, assim, a sua Iniciação Cristã.
Por nosso Batismo, como nos diz ainda São Paulo, nosso “homem velho” foi crucificado com Cristo e com Ele sepultado, para que o homem novo pudesse ressurgir com Cristo. Quando mergulhados nas águas do Batismo, imergimos em Cristo, o Deus que imergiu em nossa humanidade, e fomos transformados em novas criaturas, capazes de percorrer este caminho da vida nova, que nos leva ao Pai, e tudo isso se faz possível pela ação do Espírito Santo, que sobre é derramado em abundância em nossa Crisma e a cada Eucaristia que celebramos. Este é o nosso destino, como homens e mulheres novos: ser de Deus e viver em Deus. Por isso, desde agora somos eternos!
O Batismo não é simples formalidade ou tradição de família; mas nessas águas, fecundadas pelo próprio Cristo e seu Espírito, recebemos a vida de Deus e o nosso DNA foi modificado… recebemos um novo modo de vida, uma nova lógica, uma maneira divina de integrar nossa vida à vida de Cristo, morto e ressuscitado; somos identificados com Ele, como diz São Paulo.
Irmãos e irmãs, juntamente com nosso irmão Henrique, e com nossos irmãos que recebem hoje a Confirmação e a Eucaristia, deixemo-nos também nós mergulhar mais uma vez no mistério de Cristo, morto e ressuscitado, permitindo que Ele nos renove e nos fortifique. Iluminados pelas palavras do anjo às santas mulheres, sejamos nós as novas testemunhas da Ressurreição do Senhor, cheios de novo entusiasmo e verdadeira alegria, para todos os que encontrarmos e que necessitem da luz de Cristo.
Amém. Aleluia!
DOMINGO DA RESSURREIÇÃO
HOMILIA DO DOMINGO DA PÁSCOA (Jo 20, 1-9)
Dom Paulo DOMICIANO, OSB
A Páscoa nos traz um antigo e novo anúncio: Jesus Ressuscitou! É a grande herança que a Igreja nos transmite através dos séculos. Contudo, não se trata de uma história do passado, que relembramos a cada ano, mas evento que não passa, que se atualiza a cada dia para nós através da Liturgia e de nosso modo de viver como discípulos de Cristo. Como canta um dos Prefácios da Páscoa, proclamamos: “Ele […] imolado, já não morre; e, morto, agora vive eternamente”.
Esta atualidade do mistério de Cristo é o que permite a relação entre o evento histórico-salvífico e os símbolos sacramentais da fé que celebramos. Neste sentido, o dia de hoje deve ser meta para nossas vidas: “destruído o que era velho, toda a criação decaída é renovada e em Cristo nos foi recuperada a integridade da vida”, rezamos em outro Prefácio. Hoje se inicia para nós um novo ciclo, é o “primeiro dia da semana”, como ouvimos no Evangelho: a nova criação, a Páscoa definitiva. A partir da morte e da ressurreição de Jesus começa um novo tempo: o tempo do homem novo.
Maria Madalena, se levantou naquela madrugada deste primeiro dia da semana e foi até o túmulo de Jesus. Mas o que a movia, que força a impulsionava? No relato do Ev. de João, diferente das outras santas mulheres, Madalena não vai ao túmulo com a intenção de ungir o corpo do Senhor (cf. Mc 16,1). O que a impulsiona é somente o amor por aquele Jesus que a libertara de “sete demônios” (cf. Lc 8,2), restituindo-lhe a vida plena; um amor mais forte que a morte. O Evangelho nos diz que Maria vai ao túmulo “quando ainda estava escuro”; está escuro não somente no exterior, mas também no interior de seu coração, cheio de tristeza e decepção, esquecido da promessa da ressurreição. Também no coração de tantos em nossos dias e, talvez, em nosso próprio coração, pode estar escuro, pode haver um céu de chumbo, coberto pela fumaça da tristeza, do medo, da falta de esperança. Mas eis que surge uma novidade inesperada: “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo”.
O primeiro pensamento humano que ocorre à Maria é que roubaram o corpo de seu Senhor: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”, ela diz a Pedro e ao outro discípulo. Ela não pensa logo na ressurreição, pois sua fé ainda é profundamente marcada pela afetividade e centrada em si mesma, insuficiente para crer na ressurreição. Ela ainda precisa caminhar na pedagogia do Ressuscitado para que seus olhos se abram e possam reconhecer Jesus Vivo, como veremos na sequência do Evangelho ao longo desta semana pascal (cf. Jo 20,11), quando ela ouvirá o Senhor chamando-a pelo nome.
Enquanto isso, nós podemos nos perguntar: o que vemos no sepulcro vazio que se apresenta hoje diante de nós? Cremos na Ressurreição de Jesus?
Agora, no segundo ato do Evangelho temos Pedro e o discípulo amado. O que moveu os dois a correr ao sepulcro também foi o amor. Pedro entra primeiro, observa as faixas de linho no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus enrolado à parte, mas o seu olhar racional também não consegue compreender o mistério, como Maria Madalena. Ele também permanece na sombra da incredulidade.
Mas João, o discipulo amado, entrou, viu as mesmas coisas que Pedro e Maria, mas a diferença deles, “Ele viu, e acreditou”.
Onde está a diferença entre estes três personagens? Todos viram praticamente os mesmos sinais, mas porque somente João acreditou imediatamente? Pedro e Maria também acreditarão, mas somente mais tarde… Certamente a diferença está na intensidade e na dimensão do amor de João. Lembremos que ele foi o único discípulo que permaneceu com Jesus até a cruz… ele viu o lado aberto do Senhor e pôde contemplar aquela abertura cheia de amor.
Não basta acreditar em Jesus ou acreditar que Ele existiu de fato. Para reconhecê-lo como nosso Salvador e Senhor Ressuscitado nesses sinais, aparentemente sem significado, é preciso fazer a experiência de seu amor em nossa vida. É preciso entrar nesta chaga aberta de seu coração para ouvir de perto a voz de sua Palavra.
O que é mais específico de nossa fé cristã não é o fato de acreditarmos em Jesus, mesmo que o consideremos como o maior e mais importante entre outros mestres… Também acreditamos que Buda ou Maomé existiram e foram grandes… o que nos identifica mais radicalmente como cristãos é o fato de acreditarmos em sua Ressurreição. Paulo nos diz: “Se Jesus Cristo não ressuscitou, vã é nossa fé… e os cristãos são os mais dignos de compaixão de todos os homens”(1Cor 15,17.19).
Sim, este é o grande sentido da celebração da Páscoa, e, junto com todos os que nos antecedem nessa corrida em busca de Cristo, herdeiros dessa promessa, podemos nos alegrar e testemunhar a todos os homens que Cristo vive, que a morte não tem a última palavra, mas sim, a vitoria da Ressurreição.
Sejamos testemunhas da vida nova, como homens e mulheres novos, renascidos pela morte e pela ressurreição de Cristo, que fez tudo novo. Amém. Aleluia.