HOMILIA NA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR (Lc 9,28b-36)

Dom Paulo DOMICIANO, OSB

O Prefácio da festa de hoje nos ajuda a entrar neste Mistério da vida de Cristo revelado aos discípulos e que hoje brilha sobre nós nesta liturgia. A seguir rezaremos: “Perante testemunhas escolhidas, ele manifestou a sua glória e fez resplandecer no mais claro brilho seu corpo igual ao nosso, para tirar do coração dos discípulos o escândalo da cruz”.

O Prefácio proclama a dimensão pedagógica deste episódio da vida de Jesus e dos discípulos. Oito dias depois de ter anunciado a Paixão aos discípulos (cf. Lc 9,28a), como observa Lucas, Jesus quer animar e formar o coração de três discípulos, estas “testemunhas escolhidas” – Pedro, Tiago e João. Lembremos que Pedro, segundo o relato de Mateus, ao ouvir as palavras de Jesus sobre ser condenado, sofrer, morrer e ressuscitar ao terceiro dia, não entende nada, fica indignado e tenta convencer Jesus a tomar um outro caminho. Diante disso Jesus declara que este é um pensamento humano e não de Deus, afirmando que Pedro fala em nome de Satanás! (cf. Mt 16, 21-23). Contudo, esta reação de incompreensão e rejeição ao caminho da cruz proposto por Jesus não é exclusiva de Pedro; todos os discípulos o rejeitam, cada um a seu modo. Infelizmente isso também não é diferente para nós… quando ouvimos que precisamos fazer morrer o homem velho através da cruz para que o homem novo viva em nós, reagimos do mesmo modo; gritamos com Pedro: “Que tal coisa não aconteça!” (Mt 16,22), murmuramos, nos lamentamos, fugimos ou até negamos para escapar da cruz.

O caminho da subia do Tabor se apresenta aos discípulos e a nós como uma escola de conversão pascal. A manifestação da glória de Jesus acontece “para tirar do coração dos discípulos o escândalo da cruz”, canta o Prefácio. Mas por que Jesus escolhe somente os três para subirem com ele esta montanha elevada? Os outros também não precisavam ser curados do “escândalo da cruz”? Muitos dirão que Pedro, Tiago e João eram os mais próximos e mais íntimos de Jesus; eles também estarão com Ele na casa de Jairo e, finalmente, no momento da agonia no jardim das Oliveiras. Mas podemos pensar ainda que estes três fossem os mais resistentes ou os mais frágeis e por isso precisavam de mais cuidados de Jesus.

Qualquer que seja o motivo, contemplamos neste convite de Jesus a gratuidade do dom da vocação. O Senhor chama alguns para estar mais próximos dele e para revelar de modo particular os seus Mistérios por pura gratuidade. Este é o sentido mais profundo do dom da vocação monástica: não fomos escolhidos para subir a montanha da vida monástica segundo algum critério humano ou porque temos este ou aquele talento especial. Fomos escolhidos pelo dom da gratuidade divina para sermos testemunhas de sua glória, de sua misericórdia e de sua beleza.

Nesta escola pascal, Pedro, Tiago e João, assim como nós, somos convidados a subir. “Vinde a mim!”, Ele nos diz. Para isso, como sabemos, é preciso que nos despojemos de tudo o que é excesso sobre nossos ombros e em nosso coração. É preciso deixar o fardo pesado de nosso “eu”, de nosso “homem velho” e receber de Cristo o “jugo suave” da cruz (cf. Mt 11,28ss) para que o “homem novo” apareça em nós.

Lucas observa que eles sobem com Jesus para orar. Isso nos mostra que é através da oração que a conversão, a transfiguração, acontece. A oração não é simplesmente uma prática, uma atividade entre tantas outras na vida do discípulo de Cristo, mas é o lugar em que vivemos a relação com Ele, com os irmãos e com toda a criação. Mais do que rezar, aquele que sobe a montanha deve “ser oração”. Todo o nosso ser deve se transformar, se transfigurar em oração. É dentro desta nuvem luminosa que desce sobre nós que nos tornamos oração, encontro, lugar da presença de Deus. A Luz de Cristo ilumina nossos olhos, cura a nossa cegueira, que impede que vejamos a sua presença em cada traço de nossa vida, em cada pessoa e em cada acontecimento da história; a nuvem do Espírito nos cobre, nos abraça, nos unindo a todo o Corpo de Cristo, que é a Igreja. Dentro desta nuvem podemos ouvir a voz do Pai, que rompe nossa surdez e nos capacita a ouvir a voz do Filho, a Palavra que se fez carne.

Pedro, Tiago e João não contam nada do que viram e ouviram ao descer da montanha. A transformação iniciada no alto da montanha só se completará à luz da Ressurreição pela força do Espírito em Pentecostes. Mas após a Páscoa, eles se tornam testemunhas luminosas de tudo o que ouviram, viram e tocaram do Verbo da Vida, como anunciará João: “Deus é luz” (cf.1Jo 1,1.5). Do mesmo modo Pedro, como ouvimos na segunda leitura: fomos “testemunhas oculares da sua majestade” (2Pe 1,16). Ele ainda atesta o que ouviu do Pai: “Este é o meu Filho bem-amado, no qual ponho o meu bem-querer. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele no monte santo” (v.17-18). 

Hoje somos nós que subimos o santo monte da Transfiguração para ouvir, ver e tocar o Mistério luminoso de Cristo entre nós. Somos nós, monges da Transfiguração, que devemos nos deixar transformar em luz, em reflexo da bondade e da beleza de Deus para o mundo e para nosso irmãos e irmãs. Como ainda segue a oração do Prefácio, a luz que brilhou em Cristo, a Cabeça da Igreja, deve se expandir sobre “todos os membros do seu corpo”. Assim, a Transfiguração do Senhor não tem somente um carácter pedagógico, ou seja, não serve somente para explicar algo ou apaziguar os corações dos discípulos amedrontados pelo anúncio da cruz, mas para converter seus corações e os nossos através da Luz divida, da voz do Pai e da nuvem do Espírito, transfigurando toda a nossa vida.

Sejamos dóceis ao convite do Senhor para acompanhá-lo neste caminho de transformação, para que sejamos luz do mundo, para que sejamos sinal de sua presença para todos.

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