HOMILIA NA SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO (Mt 16, 13-19)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
A Solenidade do martírio de São Pedro e São Paulo é uma das mais antigas da tradição, sendo inscrita no calendário romano antes mesmo do Natal. Eles são celebrados juntos porque, segundo a tradição, foram martirizados no mesmo dia, sob a perseguição de Nero, entre os anos 64 e 67. Mas os que os une neste fasta é o fato de serem considerados as “colunas da Igreja”, tendo edificado com seu testemunho, sua pregação e com seu martírio os fundamentos da nascente comunidade cristã.
O ícone que contemplamos nesta festa representa Pedro e Paulo abraçados. Isso nos lembra que a Igreja é Assembleia, é comunidade daqueles que se reconhecem como irmãos. Pedro e Paulo se reconhecem como irmãos em Cristo, não “apesar” de suas diferenças, mas a partir de suas diferenças pessoais e culturais.
Como nos atestam os textos no Novo Testamento, nem sempre houve entre eles um entendimento cordial; eles viveram confrontos, divergências de perspectiva apostólica, sensibilidades diferentes, ao ponto de perceberem que seria melhor que um anunciasse o Evangelho aos judeus e o outro o anunciasse aos pagãos (cf. Gl 2,7-8). Isso pode nos parecer uma divisão, uma ruptura, mas não. Eles, guiados pelo Espírito Santo, souberam discernir não apenas quais eram seus limites, mas também suas capacidades. Enquanto buscamos fazer o outro pensar e agir conforme nosso próprio modo de ser, as coisas não se resolvem. Mas quando abrimos mão dessa pretensão absurda de querer transformar o outro em uma cópia de nós mesmos, permitindo que ele seja, de fato, outro, com suas capacidades, seus talentos e dons, então acontece um milagre: a comunhão. A comunhão não é resultado de uniformidade, mas de harmonia entre as diferenças, complementariedade, sincronia.
É sempre o Espírito Santo que realiza este movimento no coração daqueles que se deixam mover de suas posições fixadas e imaturas. Graças a esta harmonia e entendimento que Pedro e Paulo permitiram acontecer em suas vidas e no seio da Igreja nascente, nós fomos alcançados pelo Evangelho de Cristo. Se, ao contrário, eles tivessem permanecido em suas posições enrijecidas e egoístas, provavelmente, o anúncio do Evangelho teria sido comprometido. Pensando nisso, quando nós, hoje, insistimos em permanecer em nossas posições enrijecidas e egoístas, quantas pessoas deixam de ser alcançadas pelo sinal da unidade e da comunhão que poderia se manifestar através de nós…
Colocando em segundo plano as diferenças, Pedro e Paulo se deixaram guiar por aquilo que os unia profundamente, no íntimo de seus corações: aquele amor absoluto, apaixonado por Jesus. Sem dúvida, se queremos viver uma Igreja que seja comunhão, viver em uma sociedade que seja fraternidade, e uma família que seja, de fato, comunidade, precisamos buscar no fundo de nosso coração este amor autêntico por Jesus Cristo. Como Pedro somos chamados a confessar: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), como ouvimos no Evangelho. Mas chamados também a declarar, conscientes de nossos pecados e limitações: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo” (Jo 21,17). Do mesmo modo, como Paulo, buscar esta radicalidade do amor que ele viveu, declarando: “para mim viver é Cristo; considero tudo como perda diante da vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor” (Fl 1,21; 3,8). Diante disso, o que estamos dispostos a considerar como perda para amar a Jesus Cristo? Temos que reconhecer que somos pouco generosos nessa disposição a perder para aprofundar mais nosso amor por Jesus; e depois nos lamentamos que nada muda em nossa vida, nada muda no mundo a nossa volta… mas que testemunho de mudança nós damos?
Pedro e Paulo nos lembram que o amor a Jesus Cristo é o fundamento de toda fraternidade, e que esta fraternidade não é uma construção puramente humana, fruto de acordos e pactos, mas é um dom a ser recebido a cada dia por aqueles que se desarmam, que abrem mão de querer tudo dominar. Eles nos mostram com seu testemunho, vivido até o martírio, que é possível sim sermos irmãos.
“Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la” (Mt 16,18). A pedra sobre a qual Jesus edifica sua Igreja é a pedra da fé e da caridade. Sobre ela o mal não tem poder. Se estivermos alicerçados sobre a rocha que é Cristo, não há nada que temer, como cantamos no Salmo, “De todos os temores me livrou o Senhor Deus”.
Pela intercessão de Pedro e Paulo, as “colunas da Igreja”, tenhamos a graça da unidade da Igreja. Que ela resplandeça como sinal da presença de Cristo no mundo através de nossas vidas, e que nós não nos deixemos abater diante das potências do inferno que tentam nos amedrontar e abater, pois, alicerçados em Cristo e unidos a Ele com um coração sincero e apaixonado, nada nos poderá vencer.
São Pedro e São Paulo, rogai por nós; rogai pela Igreja, pelo papa, por nossos bispos, e por todo o mundo que vacila diante do mal. Amém.