Homilia do Domingo da Santíssima Trindade
Dom Afonso VIEIRA, OSB
Irmãos e irmãs, a liturgia da Solenidade da Santíssima Trindade nos convida a mergulhar no mistério de Deus e a contemplar o Deus que, sendo unidade, é família de três Pessoas em perfeita comunhão de amor. Por isso, dizemos “Santíssima Trindade”. Por amor, Ele criou os homens e as mulheres; e, por amor, Ele os convida a vincularem-se com essa comunidade de amor que é a família trinitária.
Dizer que se crê no Pai, no Filho e no Espírito Santo expressa uma verdade essencial da nossa fé cristã, naquilo que ela tem de mais original, de mais específico, e precisamente o que torna a nossa fé “cristã” e não vagamente deísta. De um modo geral, a palavra “Trindade” é assustadora. Parece-nos complexa, técnica, até mesmo jargão elitista, reservada aos especialistas e eruditos. Afastada da fé simples do cidadão comum, parece abstrata, incompreensível, demasiado teológica, ou pelo menos intelectual, o que a torna mais ou menos sinônimo de “quebra-cabeças ilógico e insolúvel” …
Por isso preferimos simplesmente a palavra “Deus”, sobre a qual quase todos concordam (ou fingem concordar): crentes e não crentes, todas as religiões juntas. Mas muitas vezes a palavra “Deus” é apenas uma ideia, uma noção. “Deus” pode continuar a ser uma coisa bastante vaga, pouco abrangente, mas sem conteúdo, ou melhor, ao qual cada um atribui o conteúdo que quer.
Pelo contrário, falar do Pai, do Filho e do Espírito Santo como as três pessoas da Trindade nos obriga a considerá-las de forma concreta e real, como fazemos habitualmente com as pessoas. Isto estabelece uma relação mais íntima, mais “pessoal” entre Deus e nós. O mistério sagrado nos ajuda a crer! Mais pessoal, mas menos subjetiva, menos sujeita à imaginação de cada um, porque a Trindade não é Deus tal como o homem o imagina ou inventa, mas Deus tal como Ele próprio se revelou e se revela ao homem, objetivamente. O homem não é homem vivente se ele não é alma, espírito e corpo; assim Deus é Deus Pai, Filho e Espírito Santo. O Mistério que nos envolve nos ajuda a crer!
A oração inicial de hoje diz: “Deus, nosso Pai, enviastes ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito santificador para revelar aos homens o vosso admirável mistério”. E depois o Prefácio faz eco: “O que cremos da vossa glória, porque a revelastes, cremos também do vosso Filho e do Espírito Santo.
O problema (filosófico) da Trindade é que queremos compreendê-la, decompondo-a e analisando-a, quando, na verdade, é a Trindade que nos compreende, que nos engloba de certa forma, porque nos criou, nos anima… porque é Deus que nos ama! Desde o nosso batismo (“em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”), somos marcados por essa Trindade. Fomos literalmente banhados nela e continuamos assim nos lavando n’Ela, Ela é ao mesmo tempo a nossa origem e o nosso fim. Para nós, a Trindade é (ou deveria ser) Deus na nossa vida quotidiana, Deus conosco no dia a dia; Deus “simplesmente”!
Nas palavras de São Paulo na carta aos Romanos, lemos, é “o amor deste Deus” que “foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo”, é na paz com este Deus que a fé em Jesus Cristo nos estabelece, e é “na esperança de participar da glória deste Deus” que “nos orgulhamos”. Não é por acaso que a solenidade da Santíssima Trindade, depois do Tempo Pascal, é o primeiro domingo do reinício do Tempo Comum. O belo prefácio da Trindade, que ouviremos hoje, era, antigamente, o prefácio de todos os domingos (exceto Natal, Quaresma e Páscoa), porque nos mergulha nesse mistério, antes de comungarmos o outro mistério que é o Corpo e Sangue de Jesus feito pão e vinho!
Porque nos foi revelado por Deus, devemos acreditar neste “admirável mistério” e adorá-lo. Crer e adorar: são os dois termos da Oração da Coleta (“dai-nos professar a verdadeira fé, reconhecendo a glória da Trindade eterna, adorando a sua Unidade na sua omnipotência”); verbos que voltaremos a encontrar no Prefácio: “quando proclamamos a nossa fé no Deus eterno e verdadeiro, adoramos ao mesmo tempo cada uma das pessoas, na sua única natureza e igual majestade”.
Adorando o mistério da Santíssima Trindade, devemos fazê-lo da melhor maneira possível, comungando depois com o Corpo de Cristo, e quanto ao acreditar neste mistério de fé, devemos nos imbuir de “toda a verdade”, e assim, antes de recitarmos o Credo, rezemos como fez o Papa São Paulo VI (Audiência Geral de quarta-feira, 30 de outubro de 1968):
“Senhor, eu creio: e quero crer em Ti.
“Senhor, fazei com que a minha fé seja completa, sem reservas, e que penetre no meu pensamento, no meu modo de julgar as coisas divinas e humanas;
Senhor, fazei com que a minha fé seja certa; forte numa convergência exterior de provas e num testemunho interior do Espírito Santo, forte na sua luz tranquilizadora, na sua conclusão pacificadora, na sua assimilação repousante.;
“Ó Senhor, fazei que a minha fé seja humilde e que não acredite fundando-se na experiência da minha mente e dos meus sentimentos; mas que dê testemunho do Espírito Santo, e que não tenha outra garantia senão na docilidade à Tradição e à autoridade do magistério da Santa Igreja. Amém”.