HOMILIA SOLENIDADE DE CRISTO REI – ANO C (Lc 23,35-43)
D. Paulo DOMICIANO,OSB
Ao longo de todo este ano litúrgico fomos guiados pelo Evangelho de São Lucas, que descreve em sua maior parte a grande viagem que Jesus realiza rumo à Jerusalém para viver o seu Mistério Pascal. Os discípulos os seguem, porque acreditam que Ele é o Messias, mas Jesus sempre os adverte que Ele é um Messias que deve ser perseguido, deve sofrer, ser crucificado, morrer e ressuscitar ao terceiro dia. Contudo, como o Evangelho nos mostra, há uma grande resistência por parte de todos em aceitar esse modelo de Messias, porque esperavam um Messias vitorioso, poderoso, um verdadeiro rei, e não um Messias de cruz.
Mas enfim Jesus chega ao termo de sua longa viagem e tudo está consumado. Ele não se desviou do caminho que o conduzia à cruz, mas foi até o fim, por amor.
O Ano litúrgico, como uma parábola da História da Salvação, neste seu último domingo, com a Solenidade de Cristo Rei do Universo, nos coloca diante do mistério da consumação dos tempos, onde Cristo se apresenta como o Senhor de toda História, princípio e fim de toda a criação. Como nos declara São Paulo no início da Carta aos Colossenses: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Cl 1,15); por Ele tudo foi criado e Ele foi constituído Cabeça do seu Corpo que é a Igreja.
Paradoxalmente, a liturgia de hoje não nos propõe apenas a imagem de Cristo glorioso, mas nos coloca diante de Jesus crucificado! Como podemos explicar isso?
Jesus Cristo é rei, mas seu trono é a cruz. Ele é um rei ao contrário dos reis que conhecemos: é um rei perseguido e condenado pelos poderes religiosos e políticos; um rei crucificado entre malfeitores; um rei que salva os outros e não se salva a si mesmo, como se repete por três vezes no Evangelho: pelos chefes, pelos soldados e por um dos malfeitores crucificado, como uma réplica das três tentações que sofreu no deserto, provocado pelo diabo a provar que era filho de Deus através de um espetáculo de poder. Jesus é tentado até o último momento a desviar-se de seu caminho, mas continua sobre a cruz: escuta as provocações e permanece em silêncio, se deixa acusar de impotência, não se defende, não cede a um comportamento que é fruto da inimizade. Até o fim Ele vive na lógica do amor de Deus, seu Pai, que tem um amor misericordioso até mesmo com os seus inimigos, intercedendo por eles: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Deste modo, frente ao ódio que recebe desses que o rodeiam neste momento extremo, Ele continua a amar. O poder de nosso Rei crucificado é, portanto, o amor.
Mas nós temos a voz de um outro personagem neste Evangelho: o segundo malfeitor crucificado. Ele nos lembra que, diante de Jesus, todos nós somos malfeitores, como diz São Paulo, “todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus, e são justificados gratuitamente por sua graça; tal é a obra da redenção, realizada em Jesus Cristo” (Rm 3,23-24). Ambos são malfeitores condenados; a diferença deste segundo, que popularmente chamamos de “bom ladrão”, é que ele reconhece seu crime e confessa com confiança: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”.
Diferente do primeiro que diz: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”, ele não pede para se livrar do seu sofrimento de cruz e da morte, mas para ser lembrado no reino de Cristo. Este malfeitor percebeu que Jesus podia salvá-lo sim, mas não do modo como poderíamos sonhar ou desejar; Ele salva na medida em que nos abrimos ao perdão que Deus nos oferece.
Na resposta de Jesus ressoa a beleza e a força da boa nova que Ele veio anunciar ao mundo: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso”. Estarás nesse lugar onde não haverá mais morte, nem sofrimento, nem pecado, mas somente vida, e vida em abundância, onde está o Reino de Cristo.
Deste modo, toda vez que acolhemos o perdão que Cristo nos oferece, toda vez que assumimos a nossa cruz junto com Cristo, que aceitamos abrir mão de nossos sonhos de salvação sem cruz, sem renúncia, sem caridade, então podemos acolher esta palavra de vida: “hoje estarás comigo no Paraíso”. Ou seja, aceitamos que Cristo reine em nossa vida e assim, o Reino de Deus acontece agora, no hoje de nossa história.
Chegando ao final deste ano litúrgico, mas também já nos aproximando do final de nosso ano civil, somos convidados a fazer este exame de nosso coração e verificarmos quais são as situações, as áreas da nossa vida, onde precisamos permitir que Cristo seja o Rei. Que nós possamos nos render diante deste olhar misericordioso de nosso Rei crucificado, que nos convida a somente nos abrir e acolher o seu perdão, o seu amor.