HOMILIA NA SOLENIDADE DE NPSBENTO (Mt 5,1-12a)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Citando o Salmo 33, São Bento nos diz que o Senhor sai à procura do seu operário no meio da multidão do povo dizendo: “Qual é o homem que quer a vida e deseja ver dias felizes?” (Pról 15).

Mas que tipo de felicidade é essa? Em que consiste, de fato, uma vida feliz?

A vida e a felicidade, como sugere estes versículos, consistem, em primeiro lugar, em sair do anonimato da multidão; em descobrir que fomos criados por Deus para ter uma identidade, um rosto, um nome. “Se, ouvido, responderes: ‘Eu’, dir-te-á Deus”, continua São Bento (Pról 16). É quando Deus fala e o homem ouve que ele se torna capaz de responder “Eu”, colocando-se a caminho, em busca da vida feliz. Quem lhe revela sua própria identidade é Deus, seu criador, diante de quem descobre que é capaz de responder “Eu”, ou seja, alguém capaz de reconhecer-se como indivíduo, como pessoa, como alguém que é procurado, amado, solicitado, por ninguém menos que o próprio Deus, que o conhece pelo nome: “eu te chamo pelo nome, és meu”, como lemos no profeta (Is 43,1).

Além de descobrimos quem somos, a Palavra de Deus também pode nos ajudar hoje, se nos dispormos a ouvir a sua voz, a distinguir algumas respostas a essas perguntas. O Evangelho das Bem-aventuranças nos apresenta o manifesto fundamental da vida feliz e abençoada por Deus. Em si, há muitas respostas sugeridas para nós nessa página de Mateus, mas neste ano do Jubileu da Esperança, gostaria de me limitar a uma: esta tensão que as bem-aventuranças propõem entre o presente e o futuro, marcada pela força da esperança. Uma pessoa é bem-aventurada agora por uma ação que Deus promete realizar no futuro. Os aflitos podem ser abençoados agora porque Deus os consolará no futuro; os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados; os misericordiosos, porque receberão misericórdia. E assim por diante.

É esta expectativa confiante, certa e esperançosa do que Deus fará no futuro que nos permite receber, mesmo agora, o “Reino dos céus”. Pois o reino é prometido para o presente, não para o futuro, para os pobres em espírito e para os perseguidos por causa da justiça. O reino já é deles, já é nosso, porque o reino é a comunhão com Deus, com o Deus da promessa. Vivemos esperando o futuro, talvez com muitas esperanças, medos, projeções, ilusões, imaginações… mas, segundo as Bem-aventuranças, a vida feliz é para aqueles que sabem virar a perspectiva de cabeça para baixo. Assim, o monge, como todo cristão, é chamado a caminhar não do presente para um futuro idealizado, como geralmente fazemos, mas a permitir que o futuro, garantido pela promessa de Deus, ilumine o seu presente, mesmo quando ele é marcado por choro, pobreza, fome, injustiça, perseguição. 

Não é mais o presente que imagina o futuro; é o futuro de Deus que ilumina e dá sentido ao presente. Esta é inversão decisiva que a vida monástica nos pede, em sua dimensão profética, para viver a vida feliz. Trata-se, portanto, de unificar presente e futuro, tomando a promessa de Deus como a chave que nos possibilita compreender o que estamos vivendo hoje, mesmo quando tudo parece difícil e doloroso de suportar. Bento conclui sua Regra com estas palavras no capítulo 73: “Tu, pois, quem que sejas, que te apressas para a pátria celeste, realiza com o auxílio de Cristo esta mínima Regra de iniciação aqui escrita e, então, por fim, chegarás, com a proteção de Deus, aos maiores cumes da doutrina e das virtudes de que falamos acima” (RB 73, 8-9).

Alcançamos a vida feliz quando nos apressamos em direção à “pátria celeste”, mesmo que seja com o pequeno passo de um iniciante. Não importa se o passo é curto, fraco, incerto; o que importa é que seja um passo, no entanto, cheio do desejo pela “pátria celeste”, que seja um passo iluminado pela promessa de Deus e pelo seu futuro; que seja um passo dado com os olhos fixados na Face daquele que buscamos, fixados no Reino que esperamos. Um passo que não é dado de modo solitário, mas dado junto com nossos irmãos e irmãs, que fazem o mesmo caminho (cf. RB 72,12).

São Bento interceda por nós monges, por nossas famílias, amigos e benfeitores. Ele interceda pela Igreja e pelo nosso mundo, para que caminhemos juntos, com nosso coração orientado por esta alegre esperança, que as Bem-aventuranças nos anunciam, rumo à “pátria celeste”.

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