HOMILIA COMEMORAÇÃO DE TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS (Jo 6, 37-40)

Dom Paulo DOMICIANO,OSB

A Comemoração de todos os fiéis defuntos, que a Igreja celebra hoje, está em estreita ligação com a Solenidade de Todos os Santos, que celebramos ontem. Como uma Mãe piedosa, a Igreja, tendo celebrado com os devidos louvores todos os seus filhos que já se alegram no céu, intercede hoje, diante de Deus pelas almas de todos os que nos precederam, marcados com o sinal da fé e que agora dormem na esperança da ressurreição, bem como por todos os defuntos, cuja fé só Deus conhece, a fim de que, purificados de toda a mancha do pecado, sejam associados aos cidadãos celestes, para poderem gozar da visão da felicidade eterna.

O anúncio do Evangelho que acabamos de ouvir nos propõe algo revolucionário: quem “vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40). Sabemos por experiência que o corpo se decompõe: mas o ser humano não é só um corpo físico! O homem, como pessoa, criado à imagem e semelhança de seu Criador, participa do diálogo com Deus, e Ele não o abandona, não o esquece, porque Deus é fiel às suas promessas. Deus escreveu cada um de nós na palma da sua mão e não se esquece de ninguém, porque Ele é Pai. Este é o centro da mensagem que Jesus nos deixou, que nos declara: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Por esta verdade, Jesus se fez homem, morreu na cruz e ressuscitou: para nos fazer participar da alegria da ressurreição. Por isso pedimos confiantes a cada Eucaristia por nossos irmãos e irmãos “que adormeceram na esperança da ressurreição e de todos os que partiram desta vida – para que sejam acolhidos – junto a vós na luz da vossa face” (Or.Euc.II).

Morrer não é um desaparecimento, mas uma nova existência. Aqueles que nos precederam estão um passo à frente na jornada da vida. Eles alcançaram o ápice, enquanto nós ainda estamos no caminho da vida; eles estão além da curva, enquanto nós ainda estamos na reta. A morte, portanto, não é o fim de tudo, mas o início de uma nova vida para a qual nos preparamos enquanto peregrinamos neste mundo. Deste modo, a celebração de hoje não é apenas uma “lembrança” daqueles que já não estão presentes, mas um sinal que nos ajuda a não nos afogar por tantas coisas, esquecendo que tudo passa, mas Deus permanece; lembrando que somos chamados para as coisas do alto.

Nosso pai São Bento exorta o monge a “ter diariamente diante dos olhos a morte a surpreendê-lo” (RB 4, 47), ou ainda, a correr enquanto temos a luz da vida, para que as trevas da morte não nos envolva (cf. Pról 13). De fato, o cristão não busca banir a morte de sua vida, não a nega, como tantos tentam fazer em nosso tempo, mas faz memória dela várias vezes ao dia, pois a cada vez que celebramos a liturgia durante o dia é sempre a memória da morte e ressurreição de Nosso Senhor que celebramos. Não só a liturgia, mas cada uma de nossas atividades e ocupações, em nossas escolhas e decisões, tudo deve estar marcado pela Páscoa, pois em tudo devemos buscar expressar nosso seguimento de Cristo, que compreende morte para cumprir a vontade de Deus e fazer frutificar a vida, a ressurreição.

Uma coisa é certa: os discípulos de Jesus interpretam a morte à luz da ressurreição. Essa é a nossa força e a fonte de nossa confiança diante da morte. Ele nos abriu o Caminho que conduz à Verdade e à Vida, nos lembrando que fomos feitos para a eternidade. Se estamos unidos a Ele e percorremos o seu Caminho, não temos nada a temer, nem mesmo a morte, pois não há “espaço” na vida e na morte que ele não tenha visitado, e isso nos garante que Ele nos acolherá em qualquer situação que estejamos. Junto com o salmista podemos cantar: “Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso, nenhum mal eu temerei, pois estais comigo” (Sl22).

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