HOMILIA SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
D. Paulo DOMICIANO,OSB
A proclamação e a meditação das “Bem-aventuranças” (Mt 5,1-12) que a liturgia nos propõe para a celebração da Solenidade de “Todos os Santos” nos previne daquela visão idealizada da santidade, marcada por um sentimentalismo angelical, onde imaginamos que o “santo” é um ser com capacidades ou poderes particulares, uma espécie de “super-herói”.
As “Bem-aventuranças” nos colocam, de modo claro, diante do dinamismo concreto da conversão, que todo discípulo de Cristo é chamado encarnar em sua vida, permitindo que a força de Deus, a sua santidade, a penetre em todas as suas dimensões e resplandeça a partir delas. Assim, a santidade ou a bem-aventurança do batizado não é fruto de feitos heroicos, mas manifestação da santidade de Deus que nele habita.
Jesus nos propõe o itinerário perfeito para alcançarmos a santidade ou a bem-aventurança. A direção por Ele indicada aqui não é outra senão aquela que Ele mesmo seguiu, é o caminho que Ele percorreu em sua vida em seu Mistério Pascal.
É através dos Sacramentos que temos acesso ao caminho da bem-aventurança. O Batismo, como sabemos, é a porta de entrada neste caminho de conversão e de configuração a Cristo, fazendo de nós membros de seu Corpo, que é a Igreja. Assim como a Crisma, que faz de nós um outro Cristo – ungidos – assumindo em nós a sua vida para ser no mundo sinal de sua presença e testemunhas de seu Evangelho. Pela Eucaristia, esta semente de vida nova em nós semeada é alimentada e comungando de seu Corpo e Sangue nós nos tornamos aquilo que recebemos, somos transformados nos Corpo de Cristo.
Este caminho de transformação acontece em nossa vida concreta, junto com nossos irmãos e irmãs, comungando de suas alegrias e sofrimentos, dos sucessos e dos fracassos de cada dia. Como Jesus nos anuncia, a bem-aventurança não provém de condições externas ideais, do bem-estar, do prazer, do sucesso, das posses… Muitas vezes seremos desafiados a encontrá-la no paradoxo da pobreza, da fome, da perseguição e da guerra. Isso nos revela que a bem-aventurança provém de uma atitude interior, de um comportamento assumido no coração diante da vida, que nos abre à comunhão com Deus, com o próximo e conosco mesmos.
É este caminho que os santos, que hoje comemoramos, descobriram. Descobriram que mesmo em situações difíceis e até mesmo trágicas podiam encontrar um lugar de esperança e de comunhão. Eles descobriram que a pobreza de coração, a mansidão interior diante das adversidades, o desejo sincero de justiça, a misericórdia e a compaixão acima de qualquer sentimento de vingança, o suportar a incompreensão, que às vezes se traduz em perseguição e calúnia contra si, tudo isso pode ser uma oportunidade para descobrir a bem-aventurança, aqui, agora, na vida de cada dia, como antecipação daquela bem-aventurança eterna que veremos realizada no Reino dos Céus.
Hoje celebramos a santidade de Deus na vida desta multidão que João viu no Apocalipse; eles são testemunha de que vale a pena aceitar o convite de Jesus para tomarmos o caminho das Bem-aventuranças, o caminho da santidade. Que esses nosso irmãos e irmãs, que contemplam a glória de Deus na eternidade, nos inspirem, intercedam por nós, nos ajudem a permitir também nós que a santidade de Deus que nos habita se manifeste e transforme nossa vida e o mundo que nos rodeia.