HOMILIA NA FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ

D. Afonso VIEIRA, OSB

Irmãos e irmãs, comemoramos a festa da Exaltação da Santa Cruz. Esta é uma festa antiga, que remonta o ano de 335, quando no dia 13 de setembro, foram dedicadas duas grandes basílicas, construídas pelo Imperador dos romanos, Constantino Magno: uma no Gólgota e outra, no Santo Sepulcro. No dia seguinte, 14 de setembro, foram expostos ao povo, com imensa piedade, os restos da cruz do Senhor. A Cruz do Senhor, o ato e não o objeto, é um grande mistério de glória, suplício e tentação de escândalo para os cristãos; loucura inaceitável, insanidade deplorável para o mundo!

No Evangelho Jesus, vemos que Jesus conversa com um fariseu chamado Nicodemos, falando-lhe sobre o sentido e o significado da Sua presença no meio dos homens. “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigênito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna”. O amor de Deus tornar-se-á particularmente evidente quando, na cruz, Jesus entregar a sua vida por todos. Os que olharem para o Crucificado e acolherem a lição de amor que Ele oferece, encontrarão vida em abundância.

A história do povo israelita, nos conta que quando eles vagueavam pelo deserto, Deus propõe-se a corrigir a tendência dos homens para a murmuração e a ingratidão; mas, constatando que o “remédio” podia “matar o doente”, o Senhor cria, como que, uma estratégia de salvação. A serpente de bronze levantada sobre uma haste, através da qual o Senhor cura o seu Povo, sinaliza o amor e a bondade de Deus. Um símbolo de força salvífica que alguns séculos mais tarde brotará da cruz de Cristo. O homem levantado ao alto para dar vida a todo o mundo. “Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, também é necessário que o Filho do homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna” (Jo 3,14-15). Essa é a grande virada! Chegou entre nós o símbolo da salvação; Jesus que, elevado na cruz, não permite que as serpentes venenosas que nos atacam nos levem à morte. Diante da nossa baixeza, Deus nos dá uma nova altura. Se mantivermos os olhos fixos em Jesus, as mordidas do mal não podem mais nos dominar, porque Ele, na cruz, tomou sobre si o veneno do pecado e da morte e derrotou o seu poder destrutivo.

O Apóstolo Paulo, na segunda leitura, apresenta aos cristãos de Filipos a sua maneira de ler a incarnação de Cristo. Jesus, o Filho de Deus, despojou-se da sua dignidade divina e veio ao encontro dos homens, revestido da nossa frágil natureza. Ele escolheu o caminho da obediência ao Pai e do serviço aos homens, até ao dom da vida. A cruz é a expressão máxima desse caminho e dessa opção. Assim, Paulo pede aos filipenses – e aos “discípulos” de todas as épocas e lugares – que aceitem percorrer o mesmo caminho que Jesus percorreu. Eis o que o Pai fez diante da propagação do mal no mundo. Ele nos deu Jesus, que se aproximou de nós como nunca poderíamos imaginar. “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós” (2 Cor 5,21). Esta é a infinita grandeza da misericórdia divina. Jesus que se “fez pecado” por nós, Jesus que na cruz – poderíamos dizer – “e fez serpente” para que, olhando para Ele, pudéssemos resistir às picadas venenosas das serpentes malignas que nos atacam.

A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo está no centro da nossa fé, pois, por ela, o Senhor Jesus venceu a nossa morte e ingressou na vida de ressurreição. Por isso, São Paulo exclama: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6,14). Não pode compreender o mistério da cruz quem não se deixa atingir e questionar pelas dores do mundo! Não pode proclamar o triunfo do Senhor quem não suportou o absurdo da cruz do Senhor! A cruz não é um ornamento, uma brincadeira; a cruz é um ícone, um símbolo, uma parábola impressionante e dolorosa! Na cruz está significado tudo aquilo que tanto nos apavora! E, no entanto, Jesus nos pergunta: “Não era necessário que o Filho sofresse tudo isso e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24,26). Por que era necessário? Por quê? E Para quê?

Para mostrar-nos até onde o pecado nos levou e até onde o amor de Deus está disposto a ir por nós.

Como o povo de Israel no caminho do deserto, que perdeu a paciência e murmurou contra o Senhor, assim a humanidade foi e vai se fechando para o Deus da vida e foi e vai encontrando a morte. Quantas serpentes venenosas mordem nossa existência! Mas, Deus não se cansou de nós: “Amou tanto o mundo que entregou o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer, não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Era necessário mostrar a gravidade do nosso pecado, da nossa loucura de querer construir nossa existência sem Deus. Era necessário também mostrar até que ponto Deus nos leva a sério, até que ponto sofre conosco, até que ponto nos é solidário. Ele não explica o sofrimento; silenciosamente, toma-o sobre os ombros, sofre conosco até o mais baixo da humilhação, da solidão e da dor: “Ele esvaziou-se de si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens. No seu Filho único e querido, o Pai se condói com nossa dor, “com-sofre” conosco, como Deus de “com-paixão”. Ninguém, contemplando a cruz, pode pensar que Deus é indiferente e frio ante o sofrimento do mundo! Contemplar o mistério da cruz é levar a sério que existe dor e miséria no mundo; é deixar-se tocar por todo sofrimento humano… mas é também compreender que Deus assumiu tudo isso em Jesus crucificado e venceu tudo isso na ressurreição. Contemplar a cruz dá-nos a graça de nunca perder a esperança, mesmo diante dos maiores percalços.

Irmãos e irmãs, este é o caminho, o caminho da nossa salvação, do nosso renascimento e ressurreição: olhar para Jesus crucificado. Da cruz, podemos ver a nossa vida e a história dos nossos povos de uma maneira nova. Porquê da Cruz de Cristo aprendemos o amor; aprendemos a compaixão, aprendemos o perdão. Os braços abertos de Jesus são o abraço de ternura com que Deus quer acolher-nos. E nos mostram a fraternidade que somos chamados a viver entre nós e com todos. nos indicam o caminho cristão. Quem contempla a cruz, não perde a confiança em Deus, não se desespera, não se despedaça. A cruz, portanto, nos joga na realidade da vida e do mundo – realidade crua…. mas, cheios de esperança, pois sabemos que Cristo fez dela, da cruz, um sinal de amor e ressurreição.

Peçamos ao Senhor a graça de suportarmos as nossas cruzes, e a força de seguir em frente apesar de nossas fraquezas. Que o próprio Senhor seja para nós força para sermos outro Cristo. Que assim seja!

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