HOMILIA SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO – (Lc 9,11b-17)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
A solenidade de hoje nos coloca em sintonia com as solenidades pascais que acabamos de concluir em Pentecostes. De fato, na Quinta-feira santa, celebramos a memória da instituição da Eucaristia na última ceia, onde Cristo se entregou a nós, sacramentalmente, nos permitindo participar de seu mistério pascal.
No Evangelho que acabamos de ouvir, Lucas nos relata a multiplicação dos pães e dos peixes para alimentar a multidão. Parece um problema de matemática: a fome de cinco mil pessoas, os cinco pães e os dois peixes colocados nas mãos dos doze apóstolos encarregados por Jesus de distribuir uma quantidade superabundante de alimento, que chega a sobrar. Isso tudo pode nos encher de admiração, como encheu de admiração toda aquela gente, que passa a seguir Jesus por causa do alimento material (cf. Jo 6, 26).
Mas o verdadeiro milagre que Jesus deseja operar é no interior dos discípulos; uma conversão à qual a Igreja é continuamente chamada a viver. Diante da multidão faminta os doze oferecem uma solução racional: “Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto” (v.12). Contudo, Jesus oferece uma outra solução: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.13).
É preciso reconhecer que a situação não é fácil e não é de se admirar que nos sintamos, como os discípulos, paralisados diante de tamanho desafio, conscientes de que não dispomos dos meios necessários para enfrentá-lo. A liturgia nos lembra hoje que, quando um problema é insolúvel, a solução é então sair de nossa lógica humana para entrar na do Senhor Jesus, cuja memória não apenas recordamos, mas cujo aprendizado fazemos cada vez que celebramos a Eucaristia. Assim, a Eucaristia nos educa, nos converte, para que sejamos capazes de olhar a realidade a nossa volta com os olhos de Deus e com nossa vida transformar esta realidade.
Jesus não faz uma mágica, tirando comida de uma cartola ou de uma cesta encantada. O alimento distribuído à multidão é fruto daquela oração de bênção do Senhor capaz de dar uma nova maneira de ver e enfrentar a realidade, por mais insuperável que possa parecer. Assim – e somente assim – o pouco que nos assusta se torna o pouco que nos permite fazer grandes coisas: a escassez se transforma em superabundância! Na Eucaristia, recebemos o pão do céu, um pão que nos nutre e é capaz de nutrir mais do que nós… ele nutre e fortalece o Corpo de Cristo, que é a Igreja. Contudo, este pão e este vinho nunca deixa de ser “fruto da terra e do trabalho humano; fruto da videira e do trabalho humano”, como sempre lembramos no rito da preparação das oferendas. É sempre através de nossa pobreza, de nossa carência, de nosso limite, que o Senhor manifesta seu cuidado e sua presença em entre nós.
Levamos ao altar os cinco pães e dois peixes que somos e recebemos de Cristo, ressuscitado e vivo, um excedente misterioso capaz de nutrir, com superabundância, a fome e a sede de todos nós. Ao celebrarmos o Corpus Christi, a Igreja ousa, ao menos em nosso país, caminhar pelas ruas decoradas das cidades, precedidos e acompanhados pela Eucaristia. Isso não se trata de exibicionismo, mas é uma maneira de cumprirmos este mandato do Senhor: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.13).
É significativo que façamos esta procissão ao final da celebração eucarística, quando deveríamos voltar para nossas casas. Isso mostra que a Eucaristia que recebemos não é um assunto privado e íntimo, mas nos implica, faz de nós portadores e ministros do dom que recebemos para o mundo faminto de sentido, de direção, de alegria, de paz… Tudo isso nós recebemos neste Santíssimo Sacramento; não para escondê-lo dentro de nós, mas para ser levado e apresentado ao mundo através de nossa vida transformada em Eucaristia, sendo presença de Cristo na vida dos outros que encontraremos pelas estradas da vida.