Homilia do 3º Domingo da Páscoa – João 21,1-19

Dom Afonso VIEIRA, OSB

Irmãos e irmãs, o Evangelho que acabamos de ler, escrito na segunda metade do século 1º, nos mostra, que o evangelista S. João percebeu muito cedo o perigo das divisões entre os primeiros cristãos, das lutas entre as primeiras comunidades cristãs da Palestina e, sobretudo, das concepções diferentes sobre a realização prática da evangelização. Oposições que poderiam ter tido consequências graves para o anúncio da Boa Nova de Cristo desde as primeiras décadas da Igreja. Assim, ele nos mostra que o centro da evangelização é Cristo, e era preciso aprender com Ele, como ir ao encontro das populações pagãs, para lhes anunciar o Salvador, para lhes propor a fé cristã, para as convidar a entrar num processo gradual de conversão.

Hoje 2000 anos mais tarde, pelo menos no Ocidente, passamos por questões que nos colocam de frente com problemas semelhantes aos daquela época. E parece sermos nós, muitas vezes, testemunhas impotentes diante das tentativas de evangelização, pois as pessoas estão preocupadas com o mercado, com a comida, ou com os passeios, a praia ou a Serra. Parece que na verdade ninguém quer ser incomodado, no seu modo de viver ou nas suas vidas, toda organizada. Anunciar Jesus é, sem dúvida, correr o risco da rejeição, da indiferença, do ridículo e, algumas vezes de coisa pior, mas é também, se nos mantivermos firmes, se confiarmos, se mantivermos o bom humor, é também experimentar a alegria de um sorriso, de uma guarda baixada, de um coração aberto.

Irmãos e irmãs, o que toca os corações não é, em primeiro lugar, a engenhosidade do nosso discurso, das nossas palavras, ou mesmo do nosso raciocínio, pois, nem todos temos o dom de falar. E as palavras são apenas palavras. O que mais toca o coração das pessoas é a nossa atitude benevolente, o nosso sorriso. A nossa perseverança, sem dúvida um pouco ingénua. A nossa bondade teimosa. O gesto de amizade, num simples sinal, talvez uma cruz no nosso pescoço, um livro de orações deixado sobre uma mesa. O que toca os corações é a nossa esperança inabalável e a nossa convicção de que, acima de tudo, acima das ideias e das leis, acima dos desejos e da cólera, acima da própria morte, existe o amor, o amor de Deus, que vem ao nosso encontro.

“Anunciai”, diz-nos Cristo. “Sede sempre alegres”, diz-nos o Livro dos Atos dos Apóstolos. “Segue-me”, diz Jesus a Pedro. “Sê o pastor das minhas ovelhas”. Porque, mesmo que aparentemente o mundo não queira ouvir falar de Jesus, esse mesmo mundo tem sede de ouvir, tem sede de sorrisos, tem sede de boa disposição, tem sede de amor.

A história da pesca milagrosa no mar de Tiberíades, após a ressurreição de Jesus, é uma maravilhosa parábola sobre a missão da Igreja nascida de Jesus. Ao longo do caminho que a Igreja percorre pela história, Jesus tem de continuar a ser, a cada passo, o centro, a referência, o princípio e o fim. A comunidade de Jesus em missão tem de estar constantemente sintonizada com Jesus, tem de estar à escuta da Palavra e das orientações de Jesus. É preciso lançar as redes para onde Jesus mandar. Viver de acordo com o estilo e os valores que Jesus definiu. Uma Igreja que perdeu Jesus de vista, é uma Igreja que, independentemente do que fizer, nunca será sinal e testemunha da salvação de Deus juntos dos homens e mulheres que vivem mergulhados no mar do sofrimento e da morte.

Naquela maravilhosa conversa final entre Jesus e Pedro, fica clara a ideia essencial de vitalidade da fé que não é um assunto de conhecimento de doutrina, de aceitação de dogmas, de rituais litúrgicos, de cumprimento das leis canônicas, mas sim de amor a Jesus. A pergunta que Jesus faz a Pedro (“tu amas-Me?”) é a questão mais decisiva a que um discípulo tem de responder. A fé cristã é, fundamentalmente, uma experiência de amor. Cremos realmente quando amamos Jesus, isto é, quando Jesus se vai convertendo no centro da nossa vida; e então passamos a escutá-lo, a viver ao seu estilo, a nos interessar por aquilo que Ele quer, a construir toda a nossa existência à volta d’Ele. É então que a nossa vida se torna radicalmente outra.

É preciso confrontarmo-nos com esta pergunta decisiva que Jesus nos dirige: “Tu amas-me?”. É porque Pedro ama Jesus que está pronto para animar e presidir à comunidade e põe-se ao serviço dos seus irmãos. Na comunidade cristã, o essencial não é a exibição da autoridade, mas o amor que se faz serviço humilde, como jesus fez. Durante muito tempo, na comunidade Cristã, nos interessamos mais por tronos, privilégios, dignidades, vestes suntuosas, poder hierárquico, do que pelo amor, pelo serviço, pela misericórdia, pelo acolhimento dos mais pobres e dos mais fracos, mas isso não faz sentido. O mundo tem sede da nossa escuta, dos nossos sorrisos, da nossa boa disposição, do nosso amor, ou seja, do amor que Jesus colocou nos nossos corações.

Pedro foi o escolhido, ele que negou três vezes o seu Mestre, para aprendermos que, através de todas as fraquezas humanas dos pastores que se sucederão ao longo da história da Igreja, é Jesus que os guiará, e que garantirá a fidelidade no nome do Pai.

Senhor, nós Te damos graças com todos que estão aqui junto de Ti. Àquele que está sentado no Trono e ao Cordeiro, poder, sabedoria e força, honra, glória e louvor para sempre.

Categories: Homilias