Homilia do 33º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Lucas 21,5-19

Dom Afonso VIEIRA, OSB

Quase no final do ano litúrgico, somos convidados a lançar um olhar sobre a história dos homens e sobre aquilo que nos espera quando o nosso caminho na terra terminar. A história dos homens não é uma história de perdição, mas sim uma história de salvação, e tendo diante dos olhos esse horizonte que enfrentamos a vida de todos os dias e derrotamos as dificuldades que o caminho apresenta. Na primeira leitura, um “enviado de Deus” anuncia a uma comunidade desanimada que, ao contrário do que dizem alguns céticos, o Senhor não abandonou o seu Povo nem deixou o mal assumir as rédeas da história dos homens. No tempo oportuno Deus vai atuar, vai derrotar as forças da opressão e da morte que privam os homens de vida. Das cinzas do velho mundo Deus vai fazer nascer um novo mundo, iluminado pela luz da salvação.

No Evangelho Jesus conversa com os seus discípulos sobre o sentido da história humana. Garantindo-lhes que a história dos homens não terminará num fracasso, e que no final do caminho estará Deus para oferecer aos seus queridos filhos a salvação e a vida definitiva. Essa certeza deve proporcionar-nos a força de que necessitamos para enfrentar as crises, os abalos e as convulsões da história, até mesmo as condenações e perseguições que se apresentarão em cada curva do caminho.

O Evangelho do trigésimo terceiro domingo comum situa-nos em Jerusalém, tudo começa com os comentários “de alguns” sobre a beleza e a riqueza do templo de Jerusalém (Lc 21,5). Em resposta aos comentários sobre a grandiosidade e a beleza do templo, Jesus avisa que, um dia, toda essa construção desaparecerá (Lc 21,6). Muito impressionados, os interlocutores de Jesus pedem-lhe explicações: quando será isso (Lc 21,7)? Em resposta, Jesus deixa-lhes uma longa instrução que é conhecida como o “discurso escatológico” (Lc 21,8-38).

A resposta de Jesus às palavras daqueles que comentam a grandiosidade e a beleza do templo de Jerusalém não é a resposta de um historiador, é a resposta de um profeta. Jesus, alguns dias antes da cena que o Evangelho nos descreve, tinha expulsado do templo os vendedores que lá operavam e que tinham feito da “casa de oração” um “covil de ladrões” (Lc 19,46); e, no decurso dessa semana passada em Jerusalém, todos os dias se encontrava no templo com dirigentes judaicos que recusavam abertamente a proposta de salvação que lhes era oferecida (Lc 20,1-8; 20,9-19; 20,45-47). Mas, Jesus, anuncia a destruição do templo porque Israel não aceitou o enviado de Deus nem a proposta de salvação que ele trazia. Aquela casa não será mais o lugar onde Deus reside no meio do seu Povo, o lugar onde Israel se encontra com Deus. A fase de Israel, a fase do templo, terminou. Como já não faz sentido, aquele lugar será destruído.

Aparentemente, os interlocutores de Jesus não medem o alcance das suas palavras proféticas. O que lhes interessa é saber “quando” é que Jerusalém e o templo serão destruídos (vers. 7). Jesus, contudo, não tem qualquer interesse em comprometer-se com datas ou com momentos históricos. O seu interesse reside em preparar para o tempo que há de vir todos aqueles que estiverem disponíveis para acolher a proposta de salvação que Ele traz. Irá começar um tempo novo, uma nova fase da história da salvação. Será o “tempo da Igreja”, o tempo em que a comunidade dos discípulos, caminhando na história, testemunhará a salvação diante de todos os povos da terra. Esse novo tempo culminará com a segunda vinda de Jesus, com o fim dos tempos e nesse tempo, Jesus aponta três dimensões fundamentais.

Em primeiro lugar, será um tempo simultaneamente inquietante e desafiante. Onde, ao longo do caminho, aparecerão falsos messias e vendedores de ilusões interessados em lançar a confusão nas comunidades cristãs e em assustá-las com discursos ameaçadores. Jesus recomenda: “não os sigais”; “não vos deixeis enganar” (vers. 8). Surgirão “guerras e revoltas” – como sempre acontece ao longo da história do mundo e dos homens – e alguns usarão tudo isso para assustar e confundir os crentes. Então, o Senhor avisa “não vos alarmeis; é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim” (vers. 9). Os discípulos de Jesus não devem deixar-se contaminar pela “febre escatológica” que paralisa, rouba o discernimento, causa alarme e inquietação; mas devem caminhar serenamente, avançando de olhos postos em Deus, preocupando-se em viver uma vida cristã cada vez mais comprometida, empenhando-se na transformação “deste” mundo onde peregrinam.

Em segundo lugar, será um tempo de esperança, um tempo em que já será possível vislumbrar os sinais desse mundo novo que Deus quer oferecer aos seus filhos. Para “dizer” essa realidade, Jesus lança mão de certas imagens apocalípticas (“há de erguer-se povo contra povo e reino contra reino” – vers. 10; “haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fome e epidemias; haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu” – vers. 11) frequentemente usadas pelos pregadores populares da época para falar do final de um tempo (o mundo velho do pecado, do egoísmo, da mentira, da injustiça, da maldade) e da chegada de um mundo novo (o mundo da verdade, da justiça e da paz). Naturalmente, os discípulos não devem esperar esse mundo novo de braços cruzados, mas devem empenhar-se na sua construção. Contudo, a libertação da humanidade não se concretizará no tempo da história; mas só se concretizará plenamente com a segunda vinda de Jesus.

Em terceiro lugar, será um mundo onde os crentes experimentarão, em cada passo do caminho, as perseguições, as condenações, o martírio (vers. 12). O mundo á odiá-los e á fazer-lhes- oposição; mas Deus irá acompanhá-los a cada instante e cuidará deles com amor de pai. Com a força de Deus, eles enfrentarão os adversários e resistirão à tortura, à prisão e à morte (vers. 13-15); com a ajuda de Deus eles poderão até resistir à dor de ser atraiçoados pelos próprios familiares e amigos (vers. 16-18). No final de todo esse caminho exigente, os espera a salvação de Deus. A vida deles não será fracassada, a morte não os derrotará; estão destinados à vida eterna (vers. 19).

O discurso escatológico não é uma informação detalhada dos cataclismos e desgraças que esperam a humanidade e que porão fim à história; mas é uma leitura lúcida e profética sobre o sentido da história dos homens, sobre o caminho que os homens são convidados a percorrer na terra, entre os desafios do mundo e as consolações de Deus. A realidade decisiva dessa “história de salvação” é que Deus permanece sempre ao leme do barco onde a humanidade viaja, conduzindo os seus queridos filhos em direção a um porto seguro onde os espera a vida definitiva.

Não podemos descobrir no nosso tempo todos estes sinais do fim do mundo tal como Jesus os dá. “Há de erguer-se povo e reino contra reino. Haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fomes e epidemias”. Muitas coisas podem servir para manipular o medo e a angústia de muitas pessoas. Para mais, há todo um conjunto de seitas. Mesmo no cristianismo vemos surgir regularmente aparições de várias espécies. O “regresso do religioso” toma muitas vezes a forma de uma procura de sinais milagrosos, de predições sobre tudo. Há mais magos, adivinhos, cartomantes, astrólogos e gurus de toda a espécie, do que padres. E o esoterismo está na moda.

Para tranquilizar a consciência, até nos apoiamos nas palavras de Jesus. Mas Jesus nos adverte: “Tende cuidado; não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome e dirão: ‘sou eu’; e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não os sigais”. Em São Mateus, o Senhor nos diz que “surgirão falsos Cristos e falsos profetas, que produzirão grandes sinais e prodígios, a ponto de abusar, mesmo os eleitos”, e São Paulo diz mesmo que Satanás se disfarça em anjo de luz. Então, nós também, hoje, somos convidados a resistir a estas tentações de esoterismo. O nosso futuro não está inscrito nem nos astros, nem nas cartas, nem na marca do café, nem nas linhas da mão. O nosso futuro está em Jesus. A morte e a ressurreição de Jesus, que nos são dadas em cada Eucaristia e que são a prova última e definitiva do amor de Deus por nós. É verdade que este sinal só se pode reconhecer na fé e o próprio Jesus se questionou: “O Filho do Homem, quando vier, encontrará a fé sobre a terra?” Desde então, a nossa primeira preocupação deve ser vivificar a nossa fé, reencontrar uma intimidade com Jesus, e dizer “Jesus, eu creio, mas aumenta a minha fé!” Então, não teremos mais medo.

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