HOMILIA DO 2.º DOMINGO DO ADVENTO – Mateus 3, 1-12

D. Afonso VIEIRA, OSB

Irmãos e irmãs, a mensagem que João propunha estava centrada na urgência da conversão pois, o “juízo de Deus” era iminente; e incluía um ritual de purificação pela água (“batismo”), a confissão dos pecados e uma mudança de vida. É possível que João estivesse, de alguma forma, relacionado com a comunidade essênia, na localidade de Qumran, nas margens do Mar Morto. Nesta primeira apresentação que Mateus nos faz do “Batista”, há vários fatores que sobressaem e que importa sublinhar: a figura, a mensagem, as reações ao anúncio, a comparação entre o batismo de João e o batismo de Jesus.

Quem é esse João, o “Batista”? Mateus não nos diz nada sobre as origens de João. Limita-se a colocá-lo em cena, recorrendo a uma fórmula genérica de apresentação: “naqueles dias, apareceu João Batista a pregar no deserto da Judeia” (vers. 1). O deserto é o lugar dos rebeldes, dos que vivem “à margem”. João é um rebelde, que rompeu com a religião institucional, pois não acredita que ela seja capaz de mudar substancialmente a realidade de pecado em que Israel vive mergulhado. O deserto, lugar onde não chegam as discussões teológicas dos doutores da Lei, os ecos das festas sociais, parece-lhe o lugar adequado para escutar as indicações de Deus. Por outro lado, o deserto parecia-lhe o lugar mais indicado para deixar para trás a vida velha e para iniciar um caminho novo de conversão e de mudança. Essa mudança não passaria pelos sacrifícios de animais e pelo culto praticado no templo, mas pelo reconhecimento dos próprios pecados e por um gesto (o “batismo”) que assinalasse o começo de uma vida radicalmente diferente.

João usa “uma veste tecida com pelos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (segundo 2Rs 1,8 era dessa forma que se vestia Elias – cf. 2 Re 1,8), não as roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes que diariamente frequentam os átrios do templo; a sua alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste com as iguarias finas que são servidas nas mesas dos ricos de Jerusalém. João é, portanto, um homem que questiona um estilo de vida voltado para os bens materiais, para as coisas frívolas, para o efémero, para o “ter”. A sua figura interpela, convida à conversão, propõe uma mudança de valores, desafia a esquecer o supérfluo para viver centrado no essencial.

Qual a mensagem que o profeta João proclama aos seus contemporâneos? Mateus resume a interpelação de João num imperativo: “convertei-vos” (“metanoeite” – vers. 2). O verbo grego (metanoéo) utilizado no relato de Mateus tem o sentido de “mudar de mentalidade”; mas aqui deve ser visto na perspectiva da teologia profética, onde a “conversão” (“shub”) passa, antes de tudo, por fazer um caminho de regresso a Deus, reatando a relação com Deus que o pecado interrompeu. Esse “voltar para Deus” significa abandonar caminhos de egoísmo e de autossuficiência, escutar novamente Deus, acolher outra vez as indicações de Deus, voltar a caminhar no sentido de Deus. Isso implica, portanto, uma mudança de comportamento, uma atitude nova, uma nova maneira de viver.

Porque é que esta “conversão” é tão urgente? Porque o “Reino dos céus” está perto. Muito provavelmente, João ligava a vinda iminente do “Reino” ao “juízo de Deus”, a uma intervenção justiceira de Deus que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo novo. Na sua linguagem, João avisa que “o machado já está posto à raiz das árvores” e que toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo” – vers. 10). Era inútil que a gente má quisesse escapar da “ira” de Deus (vers. 7). Tinha chegado a altura das grandes decisões; só uma verdadeira conversão poderia evitar o castigo.

João não pretendia afundar o povo no desespero. Pretendia colocá-lo diante das suas responsabilidades frente a Deus e aos compromissos da Aliança; e pretendia, especialmente, apontar-lhe a única saída possível: uma conversão radical a Deus. Se o povo reconhecesse as suas infidelidades, se lavasse das suas faltas, se comprometesse a uma mudança completa de vida, poderia novamente entrar na terra prometida e aí esperar, com confiança, a iminente chegada de Deus. Todos os que fizessem essa “caminhada pelo deserto”, seriam acolhidos no “Reino” que estava para chegar, trazido pelo “messias” de Deus.

Mas quem são os destinatários desta mensagem? Essa mensagem é destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão” e que era batizada “por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (vers. 5-6).

No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, aos quais o profeta dirige palavras duríssimas: “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai ações que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’” (vers. 7-9). Por detrás deste “julgamento” tão duro de João estará, provavelmente, a convicção de que esses fariseus e saduceus, ao contrário do que acontecia com o povo simples, não estavam disponíveis para acolher a interpelação que lhes era feita. Tinham vindo ao vale do Jordão talvez por curiosidade, ou talvez para se manterem a par das novidades; mas não sentiam questionados e não sentiam medo do “juízo de Deus”. Consideravam-se “filhos de Abraão”, membros privilegiados do Povo eleito. João os avisa, contudo, que não há nada garantido, nem mesmo para os que têm o nome inscrito nos registos do povo eleito. Só uma verdadeira conversão a Deus, uma verdadeira mudança de vida, os colocará a salvo.

Os que aceitavam o apelo de João à conversão, eram convidados a realizar um gesto: um “batismo”. Era um gesto feito uma única vez, que não podia ser repetido. Esse gesto consistia na imersão total da pessoa na água do rio Jordão. Quando a pessoa, depois de mergulhar, emergia da água, sentia-se limpa das suas faltas, totalmente perdoada por Deus, preparada para um novo começo. Esses “batizados” voltavam para as suas casas dispostos a viver de uma maneira nova, como membros de um povo renovado, preparados para acolher a chegada iminente de Deus.

Mas não era tudo… Os que tinham aderido a essa comunidade de gente renovada, deviam preparar-se para algo novo e mais decisivo. João dizia-lhes: “Eu batizo-vos com água, para vos levar à conversão. Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (ver. 11).

De fato, o batismo que Jesus veio trazer vai muito além do batismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (o Espírito), torna-o “filho de Deus”, incorpora-o na comunidade da salvação, torna-o participante na missão da Igreja (cf. At 2,1-4). Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados; mas significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus, de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.

Aos homens à procura de um coração novo, Deus dá uma terra nova. Jesus veio para falar de novidade: “Convertei-vos! Acreditai na Boa Nova!” Temos necessidade de ouvir palavras novas (ternura, amor, perdão, solidariedade, respeito…) que façam calar as palavras antigas (violência, ódio, vingança, indiferença, racismo…). Temos necessidade de ver gestos novos (assinatura de paz, reconciliação, dom, partilha…) que façam desaparecer os gestos antigos (declaração de guerra, rancor, crispação, egoísmo…). Preparar-se para o Natal… não será dispor-se a falar uma linguagem nova e a fazer novas ações? Essa poderá ser a nossa maneira de acolher Aquele que vem fazer todas as coisas novas. Mas não as fará sem nós…

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