HOMILIA XV DOMINGO do TC-C (Lc 10,25-37)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Subindo para Jerusalém, Jesus se encontra com vários personagens ao longo do caminho e tais encontros se tornam ocasião de revelação dos mistérios do Reino de Deus e da Salvação que Ele nos vem anunciar.

Na liturgia de hoje contemplamos Jesus encontrando hospitalidade na casa de uma família: duas irmãs, Marta e Maria, e seu irmão Lázaro, em Betânia, perto da cidade santa. Isso acontecerá com frequência, especialmente na semana anterior à paixão de Jesus (cf. Mc 11,11; Mt 21,17; Jo 12,1-11). O quarto evangelho nos dá muitas informações sobre esses três amigos de Jesus, a quem ele amava muito (cf. especialmente Jo 11,1-43). Assim, Jesus, que foi rejeitado pelos samaritanos no início de sua viagem (cf. Lc 9,51-55), encontra uma casa de “amigos da paz” (cf. Lc 10,6) que o acolhe, que lhe permite desfrutar da intimidade da amizade, descansar, ter tempo para pensar em sua missão.

O encontro com essas duas mulheres quebra vários paradigmas tradicionais da época: a atitude de Jesus, ao entrar na casa de duas mulheres, é inusitada, pois um homem não podia ficar sozinho com mulheres; quem lhe abre as portas e o recebe é Marta, mas esta função era tarefa reservada aos homens da casa; finalmente, a atitude de Maria, aos pés do mestre para ouvi-lo e para receber seus ensinamentos, é um gesto inconcebível para uma mulher do seu tempo, pois esta era a postura clássica do discípulo (cf. Lc 8,35; At 22,3), reservada exclusivamente aos homens. Contudo, Jesus permite que ela permaneça nessa posição. Portanto, Jesus e as duas irmãs rompem com costumes morais vigentes, desafiando as normas sociais da época.

[Mesmo tendo a coragem de abrir sua casa para Jesus, Marta ainda permanecia condicionada pelos costumes tradicionais. O evangelista destaca: “Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres”. A situação parece normal para uma dona de casa que deseja servir bem a um hóspede ilustre. Por isso, ela pede que Jesus intervenha: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” O comportamento discipular de Maria era, para Marta, uma contradição. Ela não se dirige à irmã, mas recorre à autoridade masculina de Jesus.] (Fr. Luis Felipe ofmcomv). Jesus então intervém, não para repreender Marta, mas para lhe oferecer um diagnóstico: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas!”.

Essas palavras durante muito tempo foram mal compreendidas e interpretadas segundo uma visão deturpada, marcada por um neoplatonismo cristão, dando a primazia à vida contemplativa em relação à vida ativa e apostólica na Igreja. Isso é um equívoco… O que Jesus quer corrigir em Marta, ainda que suavemente, é a preocupação, ou seja, a agitação que impede a escuta autêntica e a aceitação do próprio Jesus. Para agradar a Jesus e estar perto dele, Marta não percebe que, na verdade, faz de tudo para criar obstáculos a um relacionamento verdadeiro com ele. Os meios para atingir o fim são mais importantes para ela do que o fim. Ficar agitado, preocupado, significa desviar a atenção do outro e pensar demais em si mesmo: a pessoa se ilude pensando nos outros, mas a agitação não permite isso, na verdade, impede. Em diversas exortações Jesus vai advertir seus discípulos sobre o perigo da preocupação exagerada consigo mesmo e com as coisas deste mundo que, em si, são importantes, mas podem tornar-se obstáculos às verdadeiras relações e à autêntica busca de Deus.

Portanto, essa advertência se aplica a Marta, assim como se aplica a cada um de nós! Sejamos claros, então: Jesus não condena Marta por trabalhar, por fazer algo para ele, mesmo porque Ele chega a esta casa para partilhar o pão com seus amigos, mas ele a adverte para não se deixar levar pela agitação, a ponto de se esquecer da presença dele. Ocupar-se, não se preocupar; trabalhar, não se afligir; servir, não se apressar: essas são atitudes humanas absolutamente necessárias para qualquer “boa” recepção!

“Uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. O que é realmente necessário? O que é decisivo no relacionamento com Jesus? Apenas uma coisa: ser seu discípulo, sua discípula, ouvindo sua palavra.

Este encontro nos convida a viver o equilíbrio saudável, tão amado pela espiritualidade beneditina, entre convívio fraterno, trabalho e oração. Não é fácil para nós respeitar essa primazia da escuta, porque achamos que temos muitas coisas a fazer, muitos serviços a realizar, e muitas vezes os inventamos para não escutar as palavras de Jesus. Em nós, de fato, há uma rebelião contra as palavras de Jesus, há a tentação de não ouvi-las para não observá-las, há a tentação de preferir o que queremos, o que decidimos, o que somos protagonistas, em vez de ouvir e obedecer. Tantas vezes somos mais Marta do que Maria… mais agitados do que ouvintes.

Mas as duas irmãs vivem na mesma casa, as duas convivem dentro de nós. Precisamos reconciliá-las e coloca-las diante do Senhor, à sua escuta e ao seu serviço. Não precisamos escolher uma ou outra… isso seria um desastre. As duas são amigas do Senhor, as duas o amam, e as duas querem servi-lo como discípulas.

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