HOMILIA XV DOMINGO do TC-C (Lc 10,25-37)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

O Evangelho de Lucas nos coloca em caminho junto com Jesus em sua viagem de subida à Jerusalém. Ao longo dessa caminhada Jesus se encontra com vários personagens e desses encontros emerge o mistério da salvação que Ele vem nos anunciar.

A liturgia de hoje nos apresenta um desses encontros: dessa vez entre Jesus e um mestre da Lei. Esse especialista na Torá e em sua tradição em Israel quer testar Jesus, quer verificar seu conhecimento das Escrituras e sua fidelidade ou não à tradição. Portanto, ele lhe faz uma pergunta clássica, típica de todas as pessoas e de todas as épocas: “O que devo fazer?”; uma pergunta que no contexto religioso do judaísmo ressoa com um acréscimo: “que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”. Jesus lhe responde com uma contra-pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”. A resposta está explícita na Lei, por isso Jesus faz aquele que pergunta responder.

Como ouvimos, este mestre da Lei conhece muito bem as Escrituras e faz uma ótima síntese, respondendo: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!” É uma resposta que o próprio Jesus formulará no Evangelho de Mateus (22,37-40) e de Marcos (12,28-31).

Jesus elogia o mestre da Lei por sua resposta acertada. Mas saber isso não é suficiente. Saber o que temos de fazer não basta para ter a vida eterna. Por isso Jesus acrescenta: “faze isso e viverás”.

Isso não é novidade, pois Moisés, quando anuncia a Lei ao povo, adverte que o mandamento não está longe, inalcançável, mas próximo: “esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30,14). Somente conhecer a Lei, as Escrituras e o Evangelho não é suficiente… é preciso cumprir, viver o que ouvimos. Jesus convida o mestre da Lei e a todos os seus discípulos a sair da teoria, onde tudo é bonito, para entrar na vivência. “Faze isso e viverás”.

Para se defender, o mestre tenta escapar, propondo uma outra pergunta: “E quem é o meu próximo?” Para o judeu piedoso o “próximo” é o seu parente, seu amigo, seu vizinho, aquele que lhe faz o bem; é alguém que pertence a um círculo íntimo, que pensa como eu, tem os mesmos valores que eu. Ou seja, amar o próximo é algo bem restrito, porque nem sempre é fácil encontrar alguém com todas essas qualidades para permitir que se aproxime de nós. Vejam como esta visão não está distante daquilo que se vive em nossos dias… onde todo aquele que pensa diferente de mim é um inimigo, é um extremista, que deve ser combatido, derrotado, eliminado.

Jesus quer nos mostrar que o “próximo” não é simplesmente aquele que se aproxima de mim para me oferecer algum benefício; sou eu quem sou convidado a me fazer próximo do outro, quem quer que seja que esteja precisando de ajuda. Assim, o alcance do conceito “próximo” fica muito mais amplo. Qualquer um que eu encontre com alguma necessidade pode ser meu próximo; ou melhor, eu posso me fazer próximo dele. É um princípio bastante simples, mas, sem dúvida, bastante exigente, sobretudo para nós, que vivemos uma cultura do individualismo.

Jesus nos propõe este desafio porque Ele mesmo abriu para a humanidade o caminho da compaixão. A tradição dos Padres da Igreja logo identificou este samaritano da parábola, chamando “bom” –          “bom samaritano” – com o próprio Jesus. É Ele quem se compadeceu do homem assaltado pelo maligno, batido e ferido pelo pecado, jogado como morto à beira do caminho da vida. Jesus tomou o homem em seus braços, curou suas feridas com o vinho novo de seu sangue e com o óleo de seu Espírito. Também conduziu o ser humano desabrigado à uma casa, a Igreja, e encarregou seus ministros de continuarem o que Ele mesmo iniciou, até a sua volta.

Cristo nos amou, nos curou do pecado e nos colocou de volta no caminho da vida. Como seus discípulos agora somos encarregados de amar como Ele amou, cuidar dos que estão caídos à beira dos caminhos do mundo como Ele cuidou de nós.

Se nós sonhamos com um mundo melhor, com um ser humano melhor, com uma sociedade mais justa e pacífica, é indispensável que nós nos tornemos próximos uns dos outros. Caso contrário, continuaremos na teoria, nas opiniões e discussões estéreis, inclusive sobre a fé e a religião, como este mestre da Lei que hoje se encontra com Jesus.

Que esta Palavra, tão próxima de nós, em nossa boca, em nossos ouvidos, em nosso coração, toque o profundo de nosso ser e se transforme em agir, como nos pede o Senhor: “Vai e faze a mesma coisa”.

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