HOMILIA IV DOMINGO DA QUERESMA A (Jo 9,1-41)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

No último domingo a liturgia nos apresentou Jesus como fonte de água viva, que sacia a nossa sede, fazendo referência às águas do batismo. Hoje, nossa catequese batismal continua e Jesus é apresentado como a fonte da luz, que ilumina nossas trevas. Além do mais, a referência às águas do Batismo nos chega através da fonte de Siloé, onde o cego vai se lavar.

Na Antiguidade o Batismo era também chamado de “iluminação” e o batizado de “iluminado”. É o que nos testemunha a segunda leitura, da Carta de S Paulo aos Efésios: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor”. O cristão não é só iluminado por Cristo, mas ele mesmo se transforma em luz pela graça do Batismo. Por isso S. Paulo continua: “Vivei como filhos da luz… Discerni o que agrada ao Senhor”. Ou seja, sendo luz, temos de viver como luz. Temos de ver além das aparências, além das sombras.

Na primeira leitura o Senhor diz ao profeta Samuel quando vai escolher e ungir o futuro rei: “Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração”. É esta visão para além das aparências, que ultrapassa a superficialidade das coisas e das pessoas que o Senhor deseja nos dar através do batismo em Cristo, fazendo de nós verdadeiros “videntes”, segundo os Padres gregos.

O homem modelado pelas mãos de Deus na criação é capaz de ver, pois é iluminado por aquela Luz incriada que ilumina o primeiro dia da criação. Essa luz que lhe permite ter uma relação transparente com Deus, seu criador, com os outros seres humanos, carne de sua carne e ossos de seus ossos, e com toda a criação. Mas com o pecado o homem perdeu essa luz e ficou cego, ou seja, passou a ver o mundo, a si mesmo e a Deus de modo distorcido.

Jesus vem para restabelecer a visão ao ser humano, para devolver-lhe a luz do primeiro dia, fazendo de nós criaturas novas.

Jesus realiza esta obra de salvação na vida deste cego de nascença mediante um rito; não faz nenhuma “mágica”… É através de um rito que ele opera a cura. Jesus unge os seus olhos com lama, o envia à fonte, o rapaz se lava e começa a ver. O rito, portanto, nos introduz nessa dinâmica do mistério de Deus. Tudo isso transforma a vida deste homem e a partir de então ele mesmo passa a ser um sinal vivo de algo misterioso: “como aconteceu isso?”, é o que todos se perguntam.

O homem passa a ser uma testemunha do mistério de Deus. Quando ele conta o que houve, seu relato provoca espanto em alguns, admiração em outros, medo nos pais, raiva e perseguição por parte das autoridades… O fato é que diante do testemunho da obra que Deus opera em sua vida é impossível ficar indiferente.

O cume desse processo de cura é o encontro do jovem com Jesus e sua confissão de fé. Acontece então o reencontro da criatura com o criador. O velho Adão ficou cego pelo pecado e teve que partir para longe; o homem renovado pela luz de Cristo volta e vê, se reencontra com seu Senhor e confessa:  Eu creio, Senhor!

Diante deste Evangelho de hoje, mesmo já tendo sido batizados, iluminados por Cristo, temos que nos questionar sobre qual é a cegueira que ainda persiste em nossa vida; o que bloqueia os nosso olhos, nos impedindo de ver com olhos transparentes, livres de preconceitos, julgamentos, mesquinharias? Nossa pergunta deveria ser, eventualmente, a mesma dos fariseus no final do Evangelho: “Porventura, também nós somos cegos?”

Jesus quer remodelar nossos olhos também, remodelar nosso modo de olhar para que sejamos de fato iluminados e sinal de luz no mundo. Mas é preciso aceitar esta exortação de São Paulo:  “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá”.

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