HOMILIA IV DOMINGO DA QUARESMA (Jo 3,14-21)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

A primeira leitura de hoje (2Cr 36,14-16.19-23) nos oferece uma síntese da história do exílio de Judá na Babilônia. Por causa de suas infidelidades e pecados, mas também por não acolherem a Palavra de Deus anunciada pelos profetas, Deus permitiu que Jerusalém fosse invadida, o Templo fosse incendiado e o povo fosse levado cativo para a Babilônia. Isso pode parecer simplesmente castigo divino, mas na verdade, o Senhor se utilizou daquele sofrimento para que o povo se voltasse para Ele. A providência de Deus e o seu cuidado para com o seu povo se manifestou da forma mais inesperada: Deus ofereceu um sinal de esperança aos desterrados, fazendo com que o rei Ciro, rei da Pérsia, um rei pagão, permitisse a reconstrução do Templo de Jerusalém e a volta do povo para o seu país.

Isso aconteceu porque, como ouvimos na segunda leitura, “Deus é rico em misericórdia” (Ef 2,4). O sofrimento, que inevitavelmente aparece em nossa vida, nunca é castigo de Deus, mas decorre das limitações inerentes à nossa condição humana neste mundo (idade, declínio da saúde, catástrofes naturais etc.). Mas muitas vezes também, o sofrimento é fruto e consequência do pecado, nosso ou do mundo que nos rodeia; o pecado atinge a todos, pois somos um único corpo. Mas Deus, em sua rica misericórdia, tem a capacidade de transformar o nosso sofrimento em uma escola de conversão, um momento oportuno para nos voltarmos para Ele e receber uma vida nova.

Judá teve sua vida destruída junto com Jerusalém e o Templo e foi levado para o exílio. Nós, do mesmo modo, estávamos com a vida destruída e presos no exílio do pecado. Mas assim como o Senhor enviou um sinal de esperança e restauração através de Ciro, Ele nos enviou, não somente um mensageiro de esperança, mas seu próprio Filho, que é capaz de nos libertar de nosso exílio de sofrimento, não apenas reconstruindo nossa vida antiga, mas dar-nos a vida nova. Não porque mereçamos isso, mas porque Ele “é rico em misericórdia”. “É por graça que vós sois salvos!” (Ef 2,5), nos diz S.Paulo. Deus nos oferece essa vida nova como um dom, porque “é rico em misericórdia”. De nossa parte, basta acolhermos o dom oferecido!

No evangelho, Jesus diz a Nicodemos: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. E Ele continua: “De fato, Deus não enviou o seu Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”. Esse é o maior dom que Deus poderia nos oferecer. É pena que nós, como crianças distraídas, recebemos tal presente, mas não abrimos o embrulho, esquecendo-o em qualquer canto de nossa vida. Talvez seja por isso que é tão difícil e doloroso para nós compreendermos e assumirmos o sofrimento quando ele chega em nossas vidas. A resposta de Deus aos desafios de nossa vida já nos foi dada através desse admirável presente que Ele nos deu, mas não nos damos conta, ignoramos o que possuímos. Jesus diz a Nicodemos e continua dizendo a cada um de nós: “Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más”.

Nossa cegueira, nossa indiferença, nossa preguiça espiritual, nossa autossuficiência nos mantém presos, exilados nas trevas. Somente se nos deixarmos atrair por Jesus crucificado, elevado como a serpente no deserto, nós seremos capazes de entrar na luz, de ver, de contemplar o verdadeiro desígnio de Deus para nossas vidas. É lá do alto a cruz que podemos enxergar melhor e ver mais longe. Mas, como sabemos por experiência própria, nós fugimos da cruz, resistimos a essa atração, ao chamado que Cristo nos faz.

Hoje a liturgia nos lembra que estamos nos aproximando da cruz, nos aproximando das festas pascais. Isso não é motivo de pavor ou tristeza para a Igreja. Na oração de entrada de hoje nós pedimos ao Senhor: “concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam, cheio de fervor e exultando de fé”. Como discípulos de Cristo nós corremos com entusiasmo, com fervor e exultantes para encontrá-lo no Calvário, pois é de lá que brota a vida nova, a liberação, a festa. Por isso, na metade de nosso caminho quaresmal, a Igreja nos propõe este domingo, chamado Laetare, devido à antífona de entrada que cantamos – Laetáre Jerusalem, “Alegra-te, Jerusalém!” – para retomarmos fôlego em nossa corrida, fazendo uma breve pausa na penitência e no jejum, já experimentando algo da alegria e do júbilo da ressurreição.

Corremos porque estamos ansiosos por este encontro com o Senhor, mas corremos também porque já chegamos à metade do caminho e talvez ainda não tenhamos assumido com coragem nossos esforços de conversão, talvez ainda estejamos distraídos em nossas trevas; é preciso, portanto, correr, pois a Páscoa se aproxima.

Tenhamos coragem. O Senhor nos acompanha, guia nossos passos e nos fortalece. Como pediremos na oração no final desta Eucaristia: “sustentai os fracos, iluminai sempre com a vossa luz os que andam nas trevas da morte, e concedei que (…) cheguemos aos bens supremos”. Amém.

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