HOMILIA CEIA DO SENHOR (Jo 13,1-15)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.

A Hora de Jesus, tantas vezes anunciada desde Caná (Jo 2,4; 12,23-27), finalmente chegou, a hora fixada pelo Pai para a glorificação daquele que ele enviou. É a Páscoa do Cordeiro de Deus, sua passagem deste mundo para o Pai. Ele amou os seus até o fim, até as últimas consequências. Esta nota do evangelista é iluminada pelas últimas palavras de Jesus na cruz: Tudo está consumado (Jo 19,30). Jesus amou os seus até a consumação, até a conclusão da obra que lhe foi confiada pelo Pai, para a qual Ele fora enviado, para cumprir o desejo mais ardente de seu coração.

Até o fim: Jesus faz transbordar o seu amor, pois “não há amor maior do que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Jesus viverá sua paixão livremente, como uma subida ao Pai através da cruz, impulsionado por seu amor único pelo Pai e pelos seus. Nossa liturgia desta noite e as demais celebrações do Tríduo Pascal são dominadas e guiadas por esta afirmação. O Senhor dá hoje à sua Igreja e a cada um de nós o supremo testemunho de seu amor.

Hoje, provavelmente, nós esperaríamos o relato da instituição da Eucaristia da última Ceia, presente nos três Evangelhos sinóticos. Mas não: em seu estilo lento, detalhado e litúrgico, João nos descreve a lavagem dos pés. [Jesus se levanta da mesa, tira seu manto e pega uma toalha que amarra ao redor de sua cintura; depois derrama água em uma bacia, e começa a lavar os pés dos discípulos e os enxuga com a toalha que tinha ao redor de sua cintura. A lavagem dos pés não é um gesto banal.  A expressão “lavar os pés” ocorre sete vezes neste trecho.] Na verdade, Jesus antecipa através dos gestos a sua Paixão, assim como os antigos profetas, em particular Jeremias, que comunicavam sua mensagem através de ações simbólicas. O Mestre realiza uma tarefa de escravo, ajoelha-se diante de cada um dos doze, mostrando-lhes seu afeto, como Ele irá se abaixar por amor a todos, fazendo-se obediente até a morte sobre uma cruz.

O diálogo com Pedro, desconcertado ao ver o Mestre, o Messias, ajoelhado diante dele, nos dá uma primeira explicação sobre este gesto. [“Senhor, tu me lavas os pés?” – “Agora, não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás” (isto é, depois da Páscoa). – “Tu nunca me lavarás os pés!” Então Jesus vai mais longe: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo”. O discípulo deve ser purificado por Jesus, precisamente por sua completa humilhação em sua Paixão, se entregando em seu amor salvador. Pedro muda de ideia e aceita o testemunho de amor de Jesus, este amor que deseja se comunicar. “Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça”. Mas Jesus não tinha em mente um banho material.] Seu gesto é o símbolo de uma purificação espiritual. Ele pensa no batismo, porque, como nos diz São Paulo: “todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados” (Rm 6,3).

Uma segunda explicação do lava-pés nos é dada no final do relato: “Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz”. Os discípulos não devem procurar ser servidos, uma vez que seu Mestre se fez seu servidor. Devem, portanto, seguir seu exemplo, lavando os pés uns dos outros, mas, sobretudo, cada um, desde o menor ao maior, deve dar até mesmo sua própria vida por seus irmãos, como o bom Pastor por suas ovelhas. “Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a sua vida por nós. Portanto, também nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1Jo 3,16).

A cada ano, meus irmãos e irmãs, a liturgia nos convida a renovar este gesto realizado por Jesus. Não se trata de uma encenação do Evangelho, mas de um rito litúrgico, que permite a atualização do gesto de Jesus. Podemos dizer que é uma parábola em ação. A parábola em ação da Eucaristia, a parábola em ação do amor que se faz doação até o fim. Esta parábola nos lembra que a caridade e o serviço devem ter um lugar central em nossa celebração do mistério pascal e, consequentemente, em nossa vida. É por nossa caridade fraterna que testemunhamos, na verdade, o que celebramos nestes dias santos, e em cada Eucaristia.

Mas este rito não é apenas uma lição de caridade e humildade, ele é um sacramental. Ao realizar este gesto, que o Senhor realizou primeiro e nos manda repetir, ele nos comunica a sua graça. A graça da caridade de Cristo derramada sobre todos aqueles que participam deste mistério do mandamento novo. A participação neste rito nos faz entrar mais profundamente no mistério da ternura divina, que se manifesta como grande revelação desta noite da Última Ceia. É nesta ceia divina que podemos nos reconhecer sendo chamados: meus filhinhos, meus amigos.  

Deixemo-nos, portanto, meus irmãos, introduzir neste mistério de amor para o qual o Senhor convida cada um de nós e com humildade nos aproximemos desta mesa santa para sermos alimentados por aqueles que nos dá a sua vida para nos salvar.

Da Tua Ceia Mística, aceita-me hoje como participante, ó Filho de Deus; pois não revelarei o Teu Mistério aos Teus inimigos, nem Te darei o beijo como Judas, mas como o ladrão me confesso: lembra-Te de mim, Senhor, no Teu Reino. Amém! (Lit. de S. João Crisóstomo. Tropário de comunhão)

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